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segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Ilustres judeus portugueses que vingaram na Rússia







Imagem: darussia.blogspot.ru




A 5 de Dezembro de 1494, o rei português D. Manuel I, a fim de conseguir a mão de uma das filhas dos reis católicos espanhóis, decidiu expulsar os judeus de Portugal que não aceitaram converter-se ao Catolicismo, tendo esse povo procurado refúgio no Império Otomano, Norte e Centro da Europa, bem como no Império Russo.
Ainda hoje se pode encontrar entre judeus russos apelidos como Portugal, Portugalov, Devier (de Vieira) e Dacosta (da Costa).
Entre os que viveram na Rússia e fizeram brilhantes carreiras, podemos citar António Vieira, primeiro chefe da polícia de São Petersburgo; António Ribeiro Sanches, médico de vários czares russos, e João da Costa, bobo da corte de vários senhores da Rússia.


É precisamente deste último que vamos falar.


Entre os cerca de cem pessoas que tinham o título de bobo na corte russa, um descendente de marranos portugueses, João da Costa, figurava entre os mais sábios e próximos do czar Pedro I. Tratava-se de um homem extremamente culto para a época: sabia, além, do português, espanhol, italiano, francês, alemão e holandês. Embora tenha vivido 26 ou 27 anos na Rússia e se ter casado com uma mulher russa, nunca aprendeu a falar a língua do seu país de acolhimento, visto que ela começava a ser pouco empregue na alta sociedade de São Petersburgo. O francês e o alemão eram as línguas dominantes entre a nobreza russa, tendo a primeira ocupado esse lugar até meados do séc. XIX.





Pedro I da Rússia.



António Ribeiro Sanches, outro ilustre português que viu na Rússia e se encontrou com o bobo, a quem comprou parte da sua biblioteca pessoal, foi o autor da única biografia de João da Costa que chegou até nós, sendo uma homenagem às qualidades daquele que “não foi douto por não saber latim”. 





O médico português António Ribeiro Sanches.




Uma das numerosas anedotas em que o bobo português é a personagem central vem confirmar a opinião do seu conterrâneo:
“Costa, homem bastante culto, gostava muito de livros. A sua esposa, que não se dava lá muito bem como o marido, disse num dos momentos de meiguice:
- Meu amigo, como gostaria de me transformar num livro para ser objecto da sua paixão!
- Nesse caso, gostaria de ter-te como calendário, pois pode substituir-se todos os anos – respondeu o bobo”.


Reza a biografia que João Christian Semah da Costa Cortiços nasceu em Sali (Sale), em Marrocos, na África, numa família de judeus portugueses. Aos 16 anos, já convertido ao cristianismo, parte para a cidade de Hamburgo, onde se dedica ao “ofício de corretor”, mas com muito pouco êxito.
É nessa cidade que, segundo Ribeiro Sanches, o cristão-novo conhece Pedro I, em 1712 ou 1713. Segundo outra versão, teria sido um agente russo em Hamburgo que teria levado João da Costa para a Rússia.

Porém, cabe aqui fazer um parêntesis, pois há divergências entre essas duas versões, por um lado, e uma das anedotas que sobre ele se contam, por outro. Segundo uma delas, João da Costa teria ido de Portugal para a Rússia por mar: “Quando Costa embarcava para chegar à Rússia por mar, um dos conhecidos que se despedia dele, perguntou-lhe:


– Não tens medo de embarcar no navio quando sabes que o teu pai, avô e bisavô morreram no mar?!
– Como morreram os teus antepassados? – perguntou por sua vez Costa.
– Morreram em seus leitos, – respondeu o interlocutor.
– Então, porque é que tu, meu amigo, não tens medo de deitar-te todas as noites no teu leito? – replicou Costa.”


Chegado a São Petersburgo, João da Costa conquistou as graças do imperador russo com as suas piadas e ditos jocosos. Em 1717, Pedro I fez dele o primeiro bobo da sua corte, concedeu-lhe o título de conde da ilha de Hogland, minúsculo banco de areia no mar Báltico, e coroou-o rei dos Samoedos, pequeno povo fino-úgrico que vive nas regiões árcticas da Rússia. E embora estes títulos pouco tivessem de sério, permitiam a João da Costa comer na corte e receber 600 rublos anualmente, soma bastante considerável para a época.





"São Petersburgo", de Alexey Petrovich Bogolyubov - Óleo sob tela, 1850.




João da Costa morreu aos 75 anos em São Petersburgo, mas as anedotas em que ele é a personagem central ficaram para a posteridade e ajudam-nos não só a entrar em contacto com o ambiente na corte e na alta sociedade da Rússia do séc. XVIII, mas permitem-nos ver a grande habilidade, inteligência e esperteza deste cristão-novo português, a sua fama no país que lhe deu abrigo. Ele tinha resposta para tudo e receita para todos os males, até para fazer parar greves!


O bobo não teve sorte com a esposa:
“A mulher de Costa era muito baixa e, quando perguntaram ao bobo porque é que ele, sendo pessoa ajuizada, casara com uma quase anã, ele respondeu:
– Depois de reconhecer que me devia casar, escolhi o mal menor”.

E, além de ser baixa, essa mulher tinha um feitio obtuso e era bastante má. Porém, Costa viveu com ela mais de vinte e cinco anos. Um amigo seu, quando chegou a data desse adversário, pediu-lhe para festejar as bodas de prata.

“Esperem, irmãos, mais cinco anos, – respondeu Costa. – Então, iremos festejar a guerra dos trinta anos”.
João da Costa estigmatizou a corrupção na corte, nos tribunais, embora não estivesse livre desse mal: “Com um processo em tribunal, Costa ia frequentemente encontrar-se com um juiz que lhe disse:
– Não vejo que este caso acabe bem para ti.
– Senhor, aqui tendes uns bons óculos, – respondeu o bobo, tirando do bolso e entregando ao juiz duas boas moedas.
Outro juiz, que soube disso e queria receber o mesmo, perguntou certa vez a Costa:
– Não me quer fornecer também uns óculos? Como o juiz era bastante bicudo e o processo de Costa não dependia dele, o português disse-lhe:
– Senhor, antes peça que alguém lhe ofereça um bom nariz”.
Reza a lenda – neste caso, uma das anedotas – que o humor não abandonou João da Costa à hora da morte: “Avaro, Costa tinha contraído numerosas dívidas e, na hora da morte, disse ao confessor:
– Peço a Deus que me prolongue a vida pelo menos até que eu pague as dívidas.
 O confessor, convencido que o moribundo falava sinceramente, respondeu:
– Um bom desejo. Acredito que Deus ouvirá a tua voz e satisfará a tua prece.
– Se Deus tiver tanta piedade de mim, – murmurou Costa a uns dos amigos que se encontrava perto do leito, – jamais morrerei”.







Os factos citados são de responsabilidade do autor.


de José Milhazes 


Via: http://portuguese.ruvr.ru
Rádio:  Voz da Rússia - 5 Dezembro



(Texto enviado por João Moreira)