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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

D. Isaac Abravanel




Português nascido em Lisboa.
Judeu por linhagem. Por coragem.
Estadista e Financeiro. Comentador Bíblico e Filósofo.




Na belíssima exposição organizada, em 2009, pelo Museu de Arte Antiga à volta do tema “Portugal e o Mundo no séc. XVI e XVII”, em lugar de destaque, “ Os Painéis do Infante”.


    Nuno Gonçalves, seu presumível autor, pintor régio de D. Afonso V, deve ter falecido no fim do séc. XV, talvez em 1492. Pouco conhecemos da sua vida e os Painéis encerram muitos mistérios. De certo, sabemos que o Rei o nomeia para esse cargo, em 1450, e que em 1470 é distinguido com a honra de Cavaleiro da Casa Real.

Ainda por provar que seja ele o autor da referida obra. Ainda por identificar as pessoas nela representadas. Ajoelhado está o Rei D. Afonso V ou D. João II? O adolescente será o Príncipe D. João, futuro D. João II ou o seu filho bastardo, D. Jorge?






Na sexta tábua, no Painel da Relíquia quem retrata o vulto austero e majestoso de negro vestido? Um Judeu? Provavelmente, se tivermos em conta “o sinal vermelho de seis pernas, no peito acima do estômago”, sinal identificador desta minoria, cujo uso a Lei Joanina de 1429 [1] tornara uma vez mais obrigatório, bem como os caracteres que se assemelham à escrita hebraica “comentários que correm ao longo das margens parecendo sugerir a prática talmúdica da interpretação e comentário da Escritura”[2]. De acordo com o parecer de Nuno Guerreiro, a chave para decifrar o Judaísmo desta figura que nos Painéis representa a alegoria do Rigor, está na forma como o livro que tem nas mãos está a ser manuseado: aberto da esquerda para a direita. Com efeito os livros hebraicos são abertos desta forma e lidos em ordem inversa.









A conotação judaica desta figura de ar severo é também afirmada por Joaquim de Vasconcelos que no Comércio do Porto de 28 de Julho de 1892, a ela se refere: “aponta com gesto arrogante, todo ele vaidoso, enfatuado na sua sabedoria de Rabino para um livro de confusos caracteres fantasiados. É bem o tipo de Sinagoga militante”.[1] Se os Painéis atribuídos ao pintor régio, Nuno Gonçalves, realmente lhe pertencem, se o Rei retratado é D. Afonso V, se a figura majestosa e severa representando a alegoria do Rigor é um Judeu, esse Judeu pode efectivamente ser Isaac Abravanel. “Os historiadores brasileiros, Guilherme Faiguenboim, Paulo Valadares e Anna Rosa, (…) no Dicionário Sefaradi dos Sobrenomes (Frahia, São Paulo 2003) (…) afirmam que este judeu nos Painéis de Nuno Gonçalves pode muito bem ser D. Isaac Abravanel um dos mais ilustres judeus portugueses do séc. XV, estadista, líder da comunidade judaica ibérica, filósofo e rabino cabalista nascido em Lisboa, cujos escritos são ainda hoje estudados”[1]. 



Alguém que usufruía da completa confiança do Rei: “quanto me era deleitoso viver à sombra dele. (…) Enquanto viveu pude sempre entrar no palácio real e sair à vontade”.[2]


Falando de si próprio dizia Isaac Abravanel: 



“Contente vivia eu em Lisboa, minha pátria e capital formosa do Reino de Portugal na posse de bens da rica herança paterna, em casa cheia de bênçãos de Deus. 

Tinha-me o Senhor concedido felicidade, riqueza e amigos. 

Mandei construir casas para a minha habitação e sumptuosas galerias. A elas concorriam os sábios e de lá se espalhava a ciência e o temor a Deus. 

Então era eu querido no palácio do Rei D. Afonso, aquele poderoso soberano cujos domínios se estendiam por dois mares, feliz em todas as suas empresas, justo, benigno, temente a Deus que evitava o mal e promovia o bem do seu povo e dispensava em seu governo liberdade e protecção aos Judeus”.[3]

Neste excerto, creio podermos destacar quatro pontos essenciais: 

- A importância da sua própria casa como núcleo de cultura e de fé (“de lá se espalhava a ciência e o temor a Deus”). 

- O reconhecimento da fé de D. Afonso V (“temente a Deus”). 

- O seu sentimento de pertença a uma cidade, Lisboa, (“minha pátria”). 

- A benignidade com que o Rei tratava o seu Povo (“dispensava em seu governo liberdade e protecção aos Judeus”). Segundo afirmava descendia do Rei David. Não é possível recuar tanto na sua genealogia mas encontrámos referências a Joseph Abravanel, colector de impostos de D. Afonso X de Castela e Leão, (1252-1284), Rei que em Toledo, reuniu à sua volta tradutores cristãos, judeus e muçulmanos incumbidos de verter para o Latim e para o Romance, obras da Antiguidade guardadas pelos sábios do Islão. Textos desta Escola de Tradutores vieram a ser objecto de estudo em universidades medievais como Bolonha, Oxford, Paris, Salamanca, Coimbra. “Este monarcha pelo seu dedicado amor às ciências e às letras, que cultivou com singular aptidão, mereceu que a posteridade o cognominasse de “Sábio”. Dadas as suas tendências não é de extranhar vê-lo estender a mão protectora aos judeus, que tanto se haviam assignalado em mais de um ramo do saber humano. A nação proscripta encontrou nele um verdadeiro Mecenas. Chamando para junto de si os mais notáveis, o Rei artista veiu a ter nelles poderosos auxiliares para os seus trabalhos (…) Toledo tornou-se o foco dos estudos; abriram-se de novo as synagogas, onde os rabbinos explicavam tranquillamente ao povo a lettra da lei: erigiram-se cadeiras de hebreu; construíram-se judiarias; Platão e Aristóteles, Avicena e Euclides foram vulgarizados graças a esta effervescencia de estudos, que D. Afonso X animava corajosamente. Philosofhos e astrónomos, gramáticos e historiadores assignaláram distincta e notavelmente este período da sua história”.[1]




Um outro Abravanel, Samuel, foi contador - mor de Enrique III de Castela. Converteu-se ao Cristianismo e tomou o nome Juan Sanchez. Esta conversão, forçada ou não, constituiu uma surpresa para a família Abravanel e para toda a comunidade judaica “onde era tido como escudo e abrigo”.[2]


Foi um filho de Samuel Abravanel, Judah Abravanel, que fixando-se em Lisboa se tornou tesoureiro do Príncipe D. Fernando de Avis e seguramente de outros membros da família real. É ele o pai de Isaac, nascido em Lisboa no ano de 1437. 

Nomes como Judah, Joseph, Samuel, repetem-se nesta família. São exactamente estes, os nomes dos filhos de Isaac Abravanel. 

Exímios financeiros, possuidores de terra, avisados negociantes, distinguiram-se também na ciência religiosa e na ciência laica. Mostraram a razão do dizer hebraico: “quem é grande na Torah, também o é na ciência laica”. 

“Nascido na riqueza e na honra”,[3] como ele próprio nos diz, “encontra-se na confluência de duas longas linhas de tradição judaica – a linha medieval dos judeus homens de estado e a linha medieval dos judeus filósofos”.[4] A dos que ao lado dos Reis se dedicam às questões do estado e da finança e a daqueles que se devotam ao estudo da religião, dos valores morais e intelectuais. 

Carsten-Wilke refere-se-lhe como “o autor mais célebre saído do Judaísmo Português Medieval que se singulariza pelo sincretismo entre a cultura rabínica e os vastos conhecimentos científicos e profanos, em particular, históricos e políticos”.[5]

O nome cria responsabilidades, sentem-se investidos de uma missão. 

Pertencem a uma linhagem. Linhagem de que todos se orgulham. 

Durante muito tempo, em Salónica, para onde fugiram alguns dos membros desta família ilustre, dizia-se: “basta que me chame Abravanel”. Esta é a divisa da família e foi ela que serviu de critério de admissão à presença na reunião que juntou em Queens, em Março de 1992, 130 descendentes vindos dos quatro cantos do mundo, para lembrarem o nome e a coragem daquele que em Lisboa, Toledo, Nápoles, Messina, Palermo, Corfu, Monopoli ou Veneza nunca se afastou de si próprio nem de Deus, aceitando as contingências da situação a que ele e todos os Judeus se encontravam expostos nos tempos do Renascimento Ibérico. “Não tentes investigar o que está para além da tua compreensão,”[6] lembrava a Yehiel da Pisa, acreditando sempre que Deus recompensaria aqueles que tinham sabido lutar contra a adversidade. 



A iniciativa desta reunião e do seminário que se lhe seguiu esteve no âmbito da evocação dos 500 anos do decreto da Expulsão, o decreto de Alhambra de 31 de Março de 1492. 



    

Foram as palavras contidas num telegrama de Maurice Abravanel, (1903-1993) emérito chefe de orquestra de Utah que impossibilitado de comparecer, pela idade e pela doença, mais entusiasmo e aplausos provocaram na assembleia ao afirmar: “Não é possível sermos humildes com um nome como o nosso. O melhor que podemos fazer é viver de uma maneira tal que o velho grande homem possa ter orgulho em nós”.[1]



Também Jorge Luís Borges que se considerava a si próprio descendente de Judeus Portugueses fugidos da Inquisição, refere este ilustre nome no seu poema “Uma chave em Salónica”, lembrando o apego que no fundo da sua memória, conservavam pelas Terras Ibéricas mesmo na distância marcada pela Diáspora: 





“Abarbanel, Farias ou Pinedo 

atirados de Espanha por ímpia 

perseguição, conservam todavia 

a chave de uma casa em Toledo. 



Livres agora da esperança e do medo, 

olham a chave ao declinar do dia; 

no bronze há outroras, distância 

cansado brilho e sofrimento quedo. 



Hoje que a sua porta é poeira, o instrumento 

é cifra da diáspora e do vento”. 

(…)[2]



    Na 2ª metade do sec. XV, charneira de uma Era que se encerra e de outra que se abre, encontramos, Isaac Abravanel, integrado na corte, chegado aos membros da Casa de Bragança de quem é amigo e conselheiro e cuja relação remonta já ao tempo de seu pai, Judah Abravanel, e de D. Afonso, 1º Duque de Bragança. 

   A sua personalidade e cultura determinam que seja procurado e muito estimado, pelo Rei D. Afonso V, verdadeiro Mecenas de uma corte onde a cultura pontificava e o caminho do mar mostrava os primeiros alvores de uma Idade Nova. A experiência marítima, com efeito, que se viria a intensificar nos reinados seguintes, no tempo de D. João II e de D. Manuel I traria consigo um alargamento do conhecimento científico e cultural e novas perspectivas de olhar o Mundo e o Homem. Mais tarde, falando dos Portugueses dessa época dirá Pedro Nunes: “descobriram novas ilhas, novas terras, novos mares, novos povos: e o que mais é: novas estrelas”.[3] Rui de Pina, através do retrato que faz deste soberano, ajuda-nos a conhecê-lo melhor, numa dimensão outra que o entusiasta das campanhas em África… “foi amador da justiça e da ciência e honrou muito os que a sabiam. Foi o 1º Rei destes Reynos que ajuntou bõos livros e fez livraria em seus paços. Folgou muyto de ouvir música e de seu natural, sem algum artifício teve por ella bon sentimento”.[1]






O Paço da Alcáçova de Lisboa passa, com D. Afonso V, a ser um foco de cultura a que não era estranha a presença de humanistas estrangeiros como Mateus Pisano, Justo Baldino, Parísio Sículo que num esforço conjugado com os nossos escolares formados em Itália e Castela ajudaram a rasgar os horizontes culturais do país, sob a protecção régia.




 “O desabrochar do Humanismo em Portugal realiza-se sob égide da Coroa e foi o Paço o principal foco de cultura literária. D. Afonso V, educado por italianos – Estevão de Nápoles e Mateus Pisano, que escreveu uma crónica latina da tomada de Ceuta, fez vir o humanista Justo Baldino para verter em latim os cronistas portugueses e foi o Mecenas de Zurara. O humanista Cataldo Sículo instruiu, D. João II e sua roda de cortesãos. Muitos nobres e eclesiásticos vão então a Itália, especialmente a Florença (…)”.[2]





A cultura terá arrastado consigo a tolerância. Com efeito, chamavam os Judeus, a D. Afonso V, o Bom. 

Netanyahu refere-se-lhe como alguém que possuía “uma invulgar e enraizada tolerância religiosa”.[3]





É deste Rei que Isaac Abravanel é conselheiro financeiro, diplomático e militar. E são episódios ocorridos durante o governo de D. Afonso V que permitem aproximarmo-nos do que terá sido a sua personalidade, tomando como referência as conquistas em África e a Guerra contra Castela. 

As conquistas no Norte de África têm que ser vistas no contexto da pregação da Cruzada do Papa Calisto III, desejando através dela, reunir as forças da Cristandade contra os Turcos que haviam conquistado Constantinopla. Prepara, o Rei, o nosso exército que deve partir para os Balcãs mas o Papa morre e esboroa-se a organização da Cruzada. Com as tropas já prontas decide D. Afonso V avançar para Marrocos logo em 1458 conquistando Álcacer Ceguer. Mais tarde, em 1471 toma Arzila e ocupa Tânger. É então que decorre a vinda de 250 escravos judeus que Isaac Abravanel compra para a liberdade, pagando-lhes do seu próprio bolso, com a ajuda das comunidades judaicas espalhadas pelo país que, com esse fim, incansavelmente visitou. Todas as despesas lhes são pagas durante dois anos, tempo em que deviam, os escravos libertos, aprender a língua portuguesa e arranjar trabalho. São em número de 30 aqueles que não consegue resgatar por oposição ou ausência dos seus donos. Este acontecimento é por ele relatado na 1ª Carta de Consolação a Yehiel da Pisa, banqueiro italiano, seu amigo e líder da Comunidade Judaica de Florença, exortando-o a seguir o seu próprio exemplo, na prática da liderança activa levada a cabo nesta libertação. “ Não tive, durante seis meses, nem repouso, nem paz, nem descanso”.[4] Mas a soma foi conseguida. “O custo do resgate das suas almas, foi de dez mil dobrões em ouro”, “cada homem deu o que podia voluntariamente, (…) não recebemos dinheiro nem do Reino nem de qualquer pessoa fora da comunidade”.[1]



Isaac Abravanel, serve-se deste exemplo para, depois de mostrar ao amigo a empatia que sente face às suas penas, “os meus ouvidos ouviram e compreendi”[2], o encorajar a racionalizá-las, a afastar-se da pura emoção individual para as integrar no colectivo e assim poder curar-se. Pretende despertar nele o desejo de regresso à vida activa onde lhe assistem as responsabilidades inerentes ao cargo que, exemplarmente, desempenha na comunidade judaica, “vós que sois irrepreensível na vossa conduta”.[3] Pede- lhe, que como líder, aceite a fraqueza e a contingência implicadas pelo exílio e promete-lhe a recompensa de Deus por ter sabido defrontar os seus infortúnios: “o meu coração fica em agonia ao ver que os Judeus, onde quer que os levem as solas dos seus pés, devem estar preparados para encontrar a ravina das aflições e os abismos dos tormentos”[4] (…) “pelo mal que cometeram contra vós e que vós suportastes, obtereis alegria e júbilo”.[5]


No que toca à guerra contra Castela o parecer de Isaac Abravanel não deve ter sido favorável. Não temos nenhuma informação directa da sua posição, apenas sabemos que estava ao corrente do movimento das tropas portuguesas frente ao exército do inimigo, através de uma carta escrita pelo físico e astrólogo do Rei, Ibn -Yahia - Negro, escrita do Mogadouro. 



Benzion Netanyahu pensa, no entanto, que a sua perspectiva da guerra se pode deduzir das obras de Abravanel em que ele critica as guerras de agressão. “Essas guerras em vez de resultar em lucro, trarão mais facilmente má fortuna ao agressor, mesmo que este à partida pareça mais forte do que a nação que ataca”.[6] O Duque de Bragança, seu grande amigo, sustentava uma opinião contrária à do Rei no que toca esta ofensiva para além fronteiras, o que parece também apontar para uma conjunta tomada de posição. 


Ribeiro Santos diz-nos que D. Afonso V se aconselhava sempre com Abravanel em todas as decisões cruciais, especialmente nas militares. No entanto, a partir do momento em que o Rei decide pela guerra, a Casa de Bragança e o seu conselheiro, Isaac Abravanel, dão-lhe todo o apoio. O motivo que leva D. Afonso V a Castela é a sua ambição. Quer ser Rei de Castela, Leão e Portugal. O ensejo é-lhe dado através das lutas à volta da Princesa D. Joana, a Beltraneja, sua sobrinha, a quem é recusado o título de rainha por não ser reconhecida como filha do falecido Rei mas sim do valido da corte, D. Béltran de La Cueva. Não conseguindo alcançar os seus objectivos, volta a Portugal. Os custos da guerra são muito pesados e Isaac Abravanel terá contribuído com mais de 10% de 12.000.000 reais, montante que um grupo de cristãos e judeus concedeu à coroa, para pagar essas despesas. 



Destina-se o relato destas ocorrências a mostrar facetas do carácter deste homem para quem a solidariedade, a generosidade, a amizade a lealdade não são palavras vãs. 

Em 1481, morre o Rei D. Afonso V. É uma dura perda para Isaac Abravanel que o apresenta como “justo e imparcial, forte e ousado procurando empenhadamente o bem do seu povo, culto e sábio na liderança do seu governo”.[1] É também o fim de uma época feliz para os judeus portugueses. 

D. João II continua a política centralizadora dos Reis D. João I e D. Duarte. A sua atenção dirige-se prioritariamente para as duas mais poderosas casas: a de Bragança e a de Viseu. Funcionários régios dão-lhe a conhecer correspondência trocada entre o 3º Duque de Bragança, D. Fernando II e os Reis Católicos. O duque é entregue à justiça. É sentenciado e degolado na Praça do Geraldo em Évora em 1483. 

Isaac Abravanel é acusado de pertencer à conspiração. Foge para Segura de La Orden, perto da fronteira e de lá para Toledo. Fala-nos dessa fuga: “fui acusado de crimes graves. Contra mim dirigiu (o Rei) o seu ódio intenso considerando-me um dos conspiradores por supor que eles nada empreenderiam sem o meu conselho, eu que a eles estava tão intimamente ligado, considerando-me por isso um traidor. A bondade divina não permitiu que sofresse qualquer mal. À meia-noite, saí do Egipto, o Reino de Portugal, e entrei no Reino de Castela pela vizinhança de Segura de la Orden. Quando El-Rei percebeu que não podia tirar-me a vida e que eu seguira a estrada apontada pelo Senhor irritou-se tratando-me de vero inimigo. Apoderou-se de quanto eu tinha acumulado em ouro, prata e jóias, bens imóveis, de tudo se apoderou nada me deixando”.[2]

Em Toledo, dedica-se a estudos religiosos mas em breve é convidado pelos Reis Católicos para o exercício de funções financeiras. Com Abraão Sénior encarrega--se das Finanças do Reino, a pleno contento dos soberanos, recuperando assim a sua fortuna perdida em Portugal que no novo reino vê ainda aumentada. 

Está ao lado dos Reis Católicos contra os Mouros de Granada, contribui significativamente para os elevados custos da guerra. 

Os tempos tornam-se sombrios para os Judeus de Espanha. Em 1492 é assinado o decreto de Alhambra. Abraão Sénior e Isaac Abravanel tentam dissuadir os Reis da publicação deste Édito que determina a expulsão de Judeus e Mouros e lutam mais tarde pela sua anulação. Infrutiferamente. Parece ter sido determinante a acção levada a cabo por Torquemada que detinha então o cargo de Inquisidor – Geral. 

Conversão, Expulsão, Morte. A decisão a tomar é difícil. Estão apegados à Terra onde nasceram e onde nasceram os seus antepassados “o meu coração está desgarrado e dividido: sinto-me judeu mas ao mesmo tempo aragonês. Preparar-me-ei para o desterro ou permanecerei no meu exílio interior praticando em segredo a fé dos meus antepassados que me dá identidade e sentido? Continuarei a louvar o Deus de Israel em segredo e permanecerei aqui, ou proclamarei a Sua grandeza mesmo à custa de perder esta Terra que amo?”,[1] perguntará cinco séculos mais tarde, Yunez Azamel, pela voz de Miguel Dolader em lembrança dos Judeus de Tarazona e do rico passado de convivência entre os seguidores das três religiões do Livro. 

Os que se convertem recebem grandes benefícios para além de guardarem aquilo que lhes pertence, muitas vezes, há várias gerações. 

Os que partem consideram a Expulsão, o Exílio dentro do Exílio. 

Abraão Sénior fica e converte-se tal como o seu genro. A importância da sua conversão é tão grande que são os próprios Reis Católicos os padrinhos. 

Isaac Abravanel e seu filho Judah são convidados insistentemente a ficar. Abalam, seguindo uma determinação de Maimónides: “não se deve ficar num lugar em que se é forçado à conversão”.[2] Uma vez mais deixa para trás tudo o que possuía. 

Deixando a Espanha torna-se uma figura chave da Expulsão como vítima e mais tarde como intérprete. 

Corre outros caminhos: Nápoles, Messina, Corfu, Monópoli, Veneza. 

Em Nápoles, torna-se conselheiro do Rei D. Fernando. Reconstrói uma vez mais a sua vida e a sua fortuna. Mas a cidade é invadida pelos Franceses e Abravanel acompanha o Rei que foge para Messina. Novamente se despede dos seus cargos e dos seus haveres. Parte. 

Continua a trilhar os seus caminhos, cumpre a sua Diáspora. Como referira, anos mais cedo, ao seu amigo, Yehiel da Pisa, a permanente instabilidade é o comum destino dos Judeus que vivem como minoria dentro dos estados cristãos onde a vontade dos Senhores decide da sua sorte e da dos seus filhos, exigindo-lhes sempre uma pronta mobilidade. 

Tudo recomeça. 

Dedica-se afincadamente ao estudo. 

Pensa partir para a Turquia. Acompanha, afinal, seu filho, Samuel a Veneza, em 1503. Disponibiliza-se para negociar um acordo comercial entre Portugal e esta cidade. Reina então D. Manuel I. O acordo não é firmado. 

Isaac Abravanel morre em 1508. A sua morte é sentida por Judeus e Cristãos. 

Não é ainda Veneza a sua última morada. Os enterros da minoria hebraica são proibidos dentro desta cidade. É levado para Pádua onde descansa. 








Português nascido em Lisboa. 

Judeu por linhagem. Por coragem. 

Estadista e Financeiro. Comentador Bíblico e Filósofo. 

D. Isaac Abravanel. 








01 de Junho de 2010. 

Dora Nunes Caeiro



Fontes:


[1] Ordenações Afonsinas (Livro II, título 86)
[2] Marques, António Salvador, Painéis de S. Vicente de Fora – Modo de utilização, Cap. III, Painel da Relíquia http://ruadajudiaria.com



[1] Vasconcelos, Joaquim – Comércio do Porto de 28 de Julho de 1892
[2] Marques, António Salvador, Painéis de S. Vicente de Fora – Modo de utilização, Cap. III, Painel da Relíquia http://ruadajudiaria.com
[3] Vasconcelos, Joaquim – Comércio do Porto de 28 de Julho de 1892

____________________________
[1] Faiguenboim, Guilherme, Valadares, Paulo e Campagnano, Anna Rosa, “Dicionário Sefaradi de Sobrenomes” “O Judeu nos Painéis de S. Vicente”- http://ruadajudiaria.com 
[2] Abravanel - “Introdução ao Comentário de Josué”, in Elias Lipiner, “Dois Portugueses Exilados em Castilha” Hispânia Judaica, nº 10, pg, 56. 
[3] Abravanel – “Introdução ao Comentário de Josué”, in Elias Lipiner, “Dois Portugueses Exilados em Castilha” Hispânia Judaica, nº 10, pg, 55. 

___________________________
[1] Remédios, J. Mendes – “Os Judeus em Portugal”, F. França Amado Editor, pag.101 
[2] Netanyahu – “ Don Isaac Abravanel Statesman & Philosopher”, Fifth Edition, Cornell University Press,1998, pg.5 
[3] Abravanel, Isaac – “ Don Isaac Abravanel Statesman & Philosopher”, Fifth Edition, Cornell University Press,1998, pg 16 
[4] Netanyahu –““ Don Isaac Abravanel Statesman & Philosopher”, Fifth Edition, Cornell University Press,1998, Prefácio à Primeira Edição 
[5] Wilke, Carsten – “História dos Judeus Portugueses”, Éditions Chandeigne, Paris 2007, pg 50 
[6] 1ª Carta a Yehiel da Pisa – 1472, in Skalli, Cedric Cohen, - Isaac Abravanel Letters, Edition, Translation and Introduction, Capítulo 2, pg 56. 

___________________________
[1] Telegrama enviado por Maurice Abravanel in Artigo do New York Times de Março de 1992. 
[2] Borges, Jorge Luís – Editorial Teorema, 1998, Obras Completas 1952 - 1972, O outro, O mesmo, pg 254. 
[3] Nunes, Pedro –“ Tratado da Esfera” in Ciência em Portugal – http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/e42.html

____________________________
[1] Pina, Rui de “ Crónica d’el Rey D. Afonso V.- http://cvc.instituto-camoes.pt/component/docman/doc_details.html?aut=1210 – Volume (III) 
[2] Saraiva, António José e Lopes, Óscar – História e Antologia da Literatura Portuguesa, Século XVI “Aspectos Gerais do Renascimento em Portugal”, http://www.leitura.gulbenkian.pt/boletim_cultural/files/HALP_12.pdf 
[3] Netanyahu – obra citada, pg, 21 
[4] Abravanel, Isaac – Isaac Abravanel: Letters – Edition, Translation and Introduction, by Cedric Cohen Skalli. 1ª Carta a Yehiel da Pisa (1472) 


[1] Abravanel, Isaac – Isaac Abravanel: Letters – Edition, Translation and Introduction, by Cedric Cohen Skalli. 1ª Carta a Yehiel da Pisa (1472), pg.
[2] “Um documento hebraico sobre a Batalha do Toro” – Carta de Guedaliah Ibn Yahia a Isaac Abravanel. Cadernos de Estudos Sefarditas, nº5, 2005, pp.115-134
[3] Abravanel, Isaac – Isaac Abravanel: Letters – Edition, Translation and Introduction, by Cedric Cohen Skalli. 1ª Carta a Yehiel da Pisa (1472)
[4] Abravanel, Isaac – Isaac Abravanel: Letters – Edition, Translation and Introduction, by Cedric Cohen Skalli. 1ª Carta a Yehiel da Pisa (1472)
[5] Abravanel, Isaac – Isaac Abravanel: Letters – Edition, Translation and Introduction, by Cedric Cohen Skalli. 1ª Carta a Yehiel da Pisa (1472)
[6] Netanyahu, Benzion – Don Isaac Abravanel, Statesman & Philosopher – The Jewish Publication Society, Philadelphia, 1953, pag 25


[1] Introdução ao Comentário a Josué, in Elias Lipiner, obra citada, pg.57
[2] Introdução ao Comentário a Josué, in Elias Lipiner, obra citada, pg.58



[1] Dolader, Miguel Angel, Escrito para a Associação Amigos da Cultura Judaica de Tarazona  http://www1.dpz.es/dipu/areas/presidencia/sefarad/NUEVO/POR/itinerarios/guias/tar...
[2] Maimónides, Carta de Conversão Forçada, in Samuel Bentes Ruah, “Maimónides (Moisés Ben Maimon) Aspectos Médicos da sua vida. 




(Texto elaborado pela amiga Dora Caeiro, a quem desde já muito agradeço o envio deste excelente trabalho histórico. Muito Obrigado).