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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Quem eram os emissários de Dom João II ao Prestes João ?




Quem eram os emissários de Dom João II ao Prestes João ?
As razões para supor que Pêro da Covilhã e Afonso  de Paiva eram de origem judaica.



Publicado na Ver e Crer 1953, por Samuel Schwarz





Samuel Schwarz.



Num artigo publicado em Ver e Crer (Junho de 1946), sobre a «Origem do nome e da lenda do Preste João, o autor admitiu a possibilidade de serem de origem judaica os dois emissários, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva, que D. João II despachou em busca do lendário chefe cristão de terras para Oriente. Essa versão rações não foi contestada, mas o autor foi sobre ela questionado. Eis as razões do seu ponto de vista. 




O Preste João, figura mítica de um rei cristão africano, segundo um atlas catalão de 1375.




Tudo o que se sabe acerca da origem de Afonso de Paiva é que era natural de Castelo Branco. Ora a Beira-Baixa constituía um dos maiores centros do judaísmo Português, sendo, ainda hoje, uma das mais importantes aglomerações de cristãos novos. As famílias cristãs-novas estão perfeitamente conhecidas de todo o mundo, e na Beira-Baixa, todos sabem que as famílias de apelidos Paiva, Mourão, Campos, Henriques, Nunes, Preto, Silva, Cruz e outros são de origem judaica. As tradições judaicas, que se conservaram no seio dessas famílias, confirmam esta suposição.  Sabe-se assim que, no distrito de Castelo Branco, o apelido Paiva pertence a famílias de origem hebraica.



A este argumento vamos, no entanto, aduzir um facto histórico que confirma e corrobora a origem judaica de Afonso de Paiva.  Sabe-se, com efeito, que, antes de morrer, Afonso de Paiva, procurando um emissário a enviar ao rei D. João II, escolheu um judeu, a quem confiou o segredo da sua missão e uma mensagem confidencial, na qual comunicou ao rei os primeiros resultados da sua viagem, que previa não poder continuar, e o que tinha ficado combinado entre ele e o seu companheiro Pêro da Covilhã.





Pêro da Covilhã.
Fotografia de R@fael Baptista - 2011




Se Afonso de Paiva não fosse judeu, não teria escolhido um judeu para lhe confiar o segredo da sua missão e a sua mensagem confidencialíssima para o seu rei!



Este argumento não constitui, evidentemente, por si só, uma prova absoluta. Todavia, junto ao primeiro, serve para confirmar a origem judaica de Afonso de Paiva.



Quanto a Pêro da Covilhã, desconhece-se, infelizmente, o seu apelido de família sabendo-se apenas que, como o seu companheiro, era beirão e natural da Covilhã, urbe que, ainda hoje, é considerada o maior centro do judaísmo e cristão-novismo português.



Sabe-se, no entanto, pela minuciosa descrição que dele nos deixou o padre Francisco Álvares, que Pêro da Covilhã seguia a religião católica, o que nos leva a pensar que se converteu ao cristianismo ainda no reinado de D. Afonso V, ou seja, muito antes do decreto de 1496 que obrigava todos os judeus de Portugal a converterem-se ao catolicismo. Fê-lo, provavelmente, por conveniência própria, talvez, para poder entrar ao serviço do fidalgo espanhol duque de Medina Sidónia, que, mais tarde, o cedeu, como escudeiro, à Corte portuguesa.



O facto do padre Francisco Álvares, que o conheceu e conviveu com ele durante uns seis anos na Abissínia e lhe dedicou o melhor da sua obra «Verdadeira Informação do Preste João», e de os outros biógrafos de Pêro da Covilhã o tratarem só pelo seu nome de baptismo, Pedro ou Pêro, e pelo nome da terra da sua naturalidade, Covilhã, sem lembrar o apelido da sua família, permite a suposição de que este apelido era, talvez, caracteristicamente judaico - como, por exemplo, Zacuto, Iahía, Levi ou Israel - apelido que Pêro da Covilhã, depois de convertido ao cristianismo, teria deixado de usar.



Outro argumento, a favor da origem judaica de Pêro da Covilhã, é constituído pelo facto de D. João II, informado pelo emissário judeu da morte de Afonso de Paiva e da sua combinação com Pêro da Covilhã de se encontrarem, numa certa data, no Cairo, ter mandado à procura de Pêro da Covilhã dois emissários. Como é sabido, estes emissários foram: Rabi Abraham de Beja e mestre Joseph, judeu de Lamego. Pergunta-se: Por qual motivo mandou D. João II, à procura de Pêro da Covilhã, emissários judeus? Será, talvez, pelo facto de estes emissários, na sua qualidade de antigos correligionários de Pêro da Covilhã, o conhecerem e, mesmo sem que o tivessem conhecido pessoalmente, poderem, como judeus, ir esperá-lo na judiaria do Cairo, onde devia aparecer para se encontrar com o seu companheiro Afonso de Paiva?



Porém, além da interpretação que demos aos factos históricos acima mencionados, no intuito de sugerir a hipótese da origem judaica do descobridor do Preste João, há outro argumento. Sabe-se que Pêro da Covilhã era um exímio poliglota, falando arábico como um mouro, o que  lhe permitiu infiltrar-se entre os mouros e segui-los nas suas peregrinações a Meca e nas suas caravanas para a Índia. Para este efeito, além de falar, na perfeição, a língua árabe, devia possuir também tipo semita. Foi assim que pôde conseguir captar a confiança dos mouros e estudar todo o seu complicado sistema comercial das especiarias, desde a Índia até o embarque da preciosa mercadoria no porto do Cairo, com destino a Veneza.



Um português do século XV, que falava a língua árabe à perfeição, tinha o tipo semita e possuía tão grandes dotes de comerciante e de investigador, como Pêro da Covilhã, não podia ser senão... um judeu!



A hipótese da origem judaica de Pêro da Covilhã, que o argumento, que acabamos de expor, nos parece demonstrar, irrefutavelmente, serve, também, para explicar e compreender os factos acima citados, bem como outro facto histórico que mencionámos no nosso artigo sobre o Preste João.  Tratava-se de explicar a razão pela qual Pêro da Covilhã nunca mais regressou à Pátria  querida, apesar de viver livremente na Abissínia e de ter dado sobejas provas do seu feitio corajoso e empreendedor. Admitindo a sua origem judaica, esta estranha atitude de Pêro da Covilhã explica-se pela politica anti-judaica que começou a vigorar em Portugal no fim do reinado de D. João II e que, no reinado seguinte, culminou no decreto de expulsão dos judeus, em 1496, e na matança dos cristãos-novos em Lisboa, em 1506. Estes factos podiam ter chegado ao conhecimento de Pêro da Covilhã, pelos próprios emissários judeus de D. João II e pelos fugitivos judeus e cristãos-novos portugueses que chegavam a África, pela expedição portuguesa de Rodrigo de Lima e, finalmente. pelo seu grande amigo padre Francisco Álvares.



Desde que não se encontre um documento autêntico, como, por exemplo, uma certidão de nascimento ou de baptismo - documento este que nem para Camões se encontrou ... o historiador que queira descortinar o mistério que envolve a origem de qualquer pessoa, como a do nosso Pêro da Covilhã, tem de se servir da interpretação de factos históricos, que, mesmo que não lhe ofereçam a certeza de 100 % que ofereceria um documento autêntico, dão, no entanto, uma grande probabilidade e mesmo uma quase certeza da origem dos dois portugueses. 





Via: aast.ipt.pt 
(Associação dos Amigos da Sinagoga de Tomar)