A Lei de Maio de 1773
O Marquês de Pombal foi dos poucos políticos que conseguiu dominar a máquina da Inquisição. Logo no início da sua campanha contra os jesuítas imolou no auto-da-fé de 21 de Setembro de 1761, o padre Gabriel Malagrida, já de 72 anos de idade, por ele ter tido o atrevimento de pregar que o terramoto tinha sido um castigo de Deus.
Transformada a Inquisição em instrumento politico, pouco lhe interessava já a absurda distinção entre Cristãos Velhos e Cristãos Novos, que as gentes cultivadas lhe pediam para eliminar. Foi então promulgada a Lei de 25 de Maio de 1773, que acabava com essa distinção, pondo todos em pé de igualdade, independentemente dos seus antepassados. Exceptuavam-se os descendentes de quem tinha sido condenado pela Inquisição. Iam-se buscar duas Leis do tempo de D. Manuel I e de D. João III que afirmavam tal igualdade, que tinha sido afastada por D. Sebastião.
“Depois disto, no ano seguinte, foi ainda ampliada a lei emancipadora, com a abolição da infâmia, até aí atribuída aos que prevaricavam na fé. Pela nova disposição, os apóstatas que, confessando o delito, eram reconciliados no Santo Ofício, não ficavam com mácula nem inábeis para as dignidades e ofícios, e muito menos seus descendentes. A infâmia abrangia somente os condenados à morte, impenitentes, sobre os quais, unicamente, recaía a pena de confiscação, preceitos um e outro estatuído na lei civil.” (*)
Pela primeira vez, viu-se o Rei dar o hábito de Cristo a quem já tinha trazido o sambenito, o traje dos judaizantes confessos: António Soares de Mendonça que fora ao auto-da-fé de 16 de Outubro de 1746 (Processo n.º 7991, da Inq. de Lisboa), foi agraciado com o nome de António Soares de Mendonça Brandão, em 8 de Maio de 1775.
Foi depois publicado o último Regimento da Inquisição que vigorou até à sua extinção em 1821.
A Lei de 25 de Maio de 1773 teve um enorme impacto no País. A “má língua” da época disse logo que os cristãos novos tinham comprado a Lei por 500 000 cruzados, como é referido num soneto de António Lobo de Carvalho:
Soneto à lei de 25 de Maio de 1773, que aboliu a distinção de cristãos velhos e cristãos novos, pela qual se disse terem dado os Judeus 500 mil cruzados.
Quem diz mal dos Judeus nega a Escritura
E não sabe o que leu, co’a lei alego,
Pois não distingue Deus judeu nem grego
Para lhes dar no céu alta ventura.
Se a Igreja, que é do céu clara figura,
Lhes não denega todo o honesto emprego,
Como intenta de alguns o furor cego
Avivar-lhe outra vez a mancha impura?
Se eles, por lei de Deus, são atendidos,
E pela lei real habilitados,
Sem dúvida que estão bem admitidos.
Ninguém se lembre já dos seus pecados,
Que eles estão de todos arrependidos,
Mas é de dar quinhentos mil cruzados!
(*) J. Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos Portugueses, Clássica, Lisboa, 1975, pag. 352
(Retirado de www.arlindo-correia.com)