Isabel Xavier neste seu poema, consegue transmitir-nos o sentimento que ainda hoje o português possui na sua génese mais profunda de si mesmo, talvez herdada do cripto-judaísmo. A saudade e esse conceito bipolar de que "(...) só estou bem onde não estou, quero ir para onde não vou (...)". Como muito bem interpretou António Variações na canção "Estou Além ".
A luz da lamparina, como símbolo da esperança dos marranos portugueses.
Marrana
Isabel Xavier
A sós com o meu pensamento
Sustive um eco de longe no meu ser
Ergui-me como ao encontro do momento
Em que em mim ocorresse o renascer
De um sol de esplendor irradiante
Heróico vencedor da escuridão
Indubitável cais, perto e distante
Entre ondas de inquietude e de paixão
Procurei-me nas rotas desse mar
Que naveguei por me ser dado ver
O farol da esperança a iluminar
A esperança de eu ser um outro ser
Mas a realidade de me tornar diferente
O mundo não me pôde perdoar
E desde então caminho entre a gente
Disfarçando o meu diferente caminhar
Marrana como os judeus de outrora
Vou desbravando a floresta da Saudade
Na esperança de que chegue a hora
Que o regresso do Messias já não tarde
Porque essa espera é a humana condição
De quem o mundo não pode contentar
E prefere olhar o céu em vez do chão
E ainda espreita, às vezes, o luar.