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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

"Juda, o Crente"




“Auto-de-fé”, de Franco Rissi, 1683.





No Museu Britânico, encontra-se conservado um manuscrito que relata um auto-de-fé realizado em Valladolid em 1644, Espanha, contra um homem admirável de nome Lope Alarcón, mártir do judaísmo do século XVII, embora fosse cristão-velho de nascimento.




A 15 de Julho do ano de 1644, um auto-de-fé foi celebrado em Valladolid, na sua Praça Maior. Vinte e sete penitenciados figuram por crimes diversos, entre eles encontra-se Lope de Vera y Alarcón, filho de Lope de Vera, natural de San Clemente de la Mancha, detido em 1638, tinha na altura da sua detenção dezanove anos.
Lope Alarcón encontrava-se inscrito na famosa Universidade de Salamanca, estudando direito canónico, grego, árabe, caldeu e hebreu, onde já tinha defendido sem êxito algum, a tese de que a língua hebraica era superior às demais.
Perante uma contínua teimosia sua nos seus argumentos, cheios de uma convicção idealista e de um orgulho exacerbado, ele acabará por cometer erros perante pessoas que já o viam como um elemento perigoso no meio académico, assim, não foi surpresa a sua detenção pela inquisição espanhola.
Nas primeiras audiências, durante os três primeiros anos de cárcere, Alarcón afirmava que havia estudado hebreu, língua que admirava bastante, porque segundo ele, era a língua na qual D´us tinha falado com Abraão, Isaac, Jacob e profetas.
Ele dizia ser conhecedor também do árabe, e por isso mesmo, tencionava ir a Constantinopla para assim traduzir a Lei de Moisés nesta língua, acrescentando ainda aos seus algozes que respeitava Maomé e o Alcorão.
Nega a imortalidade da alma e talvez pressionado, confessa-se judeu, afirmando que a sua inclinação natural era seguir a Lei de Moisés, e que tencionava abandonar Espanha para abertamente praticar a religião a que tinha adoptado, dando a sua vida se fosse necessário pelo judaísmo.
Lope Alarcón estava convencido da veracidade da fé judaica, ele próprio se circuncida na prisão, muda de nome para Judahmahamídico, “Juda o Crente”, assinando a partir daí apenas com este novo nome os autos do processo.
Em futuros interrogatórios rejeita falar, porque o inquisidor não era judeu, e recusava assistir a audiências ao Sábado.
Foi considerado um réu obstinado nas suas ideias e muito inteligente, mas a “sentença já há muito estava decidida”, foi condenado à fogueira.
A caminho da execução não parou de gritar: “Viva a Lei de Moisés”, e já sob o cadafalso entoou cânticos hebraicos.
Segundo o relato descritivo do auto-de-fé, para além de vociferar mais vivas a Moisés, chamou por Arão para o socorrer, até que o fogo o privou definitivamente da vida.




“Romance al martirio de Don Lope de Vera y Alarcón” de Antonio Enríquez Gómez





Este caso foi largamente acompanhado na diáspora pelas comunidades judias de origem portuguesa e espanhola. A Lope de Vera y Alarcón, valeu-lhe pelo menos o enorme respeito e admiração que causou a milhares de judeus e cristãos-novos da Europa Ocidental do século XVII.