Testemunhos judaicos no concelho do Sabugal
"DENTISCALPIUM"
Proveniência: Vilar Maior, Sabugal
Material: Bronze
Dimensões: 4,8 X 0,2-0,5 cm
Proposta de cronologia: Época Medieval-Moderna
Trata-se de um delicado instrumento de bronze, de pequenas dimensões, composto de uma vareta decorada na parte superior por um cacho de seis nervuras cordiformes verticais e rematada por duas hastes opostas, em forma de lâmina aguda e plana.
Dado que o estudo e a divulgação dos testemunhos judaicos tem sido um tema bastante solicitado no Sabugal, com inúmeros apreciadores deste fenómeno cultural e religioso, decidi contribuir para o tema com mais um curioso achado arqueológico, talvez menos valorizado do que outros vestígios de natureza judaica.
Durante o acompanhamento arqueológico das obras de saneamento de Vilar Maior, em 2008, foi descoberto um estranho artefacto numa vala aberta num arruamento. Era um achado enigmático, de difícil interpretação e datação, por ter sido encontrado sem contexto e não se conhecerem, na altura, quaisquer paralelos. Consultámos diversos colegas e técnicos de museus que desconheciam também a funcionalidade e a cronologia da peça.
Trata-se de um delicado instrumento de bronze, de pequenas dimensões (4,8 x 0,5 cm), composto de uma vareta decorada na parte superior por um cacho de seis nervuras cordiformes verticais e rematada por duas hastes opostas, em forma de lâmina aguda e plana. A peça encontra-se fracturada na sua extremidade contrária e teria, provavelmente, um acabamento em colher.
Uma possível interpretação para o achado seria um instrumento de limpeza manual de dentes, unhas e ouvidos. Estes objectos portáteis de higiene pessoal são conhecidos desde a Antiguidade Clássica, onde foram abundantes, sendo designados por dentiscalpium e auriscalpium. Porém, os paralelos de época romana observados diferem bastante deste exemplar. Os romanos usavam três utensílios separados, para o seu asseio pessoal: um palito de bronze, uma peça em forma de gancho e uma pequena colherinha, e não integravam num só objecto as três funcionalidades de limpeza corporal, como neste caso presente.
Sabe-se que este tipo de utensílios caiu em desuso na Idade Média, com a perda dos hábitos de higiene corporal. No entanto, dado que nas escavações do centro histórico de Vilar Maior não foi atestado qualquer nível de ocupação romana, e não sendo um objecto de cronologia pré-romana, terá mesmo que datar da Época Medieval ou Moderna, e nesse tempo somente as comunidades judaicas que aqui viviam mantinham tradições de extremo asseio pessoal nos seus rituais religiosos.
Não é de estranhar que o paralelo mais próximo para esta peça se encontre, por isso mesmo, no catálogo da exposição sobre os Judeus Sefarditas - Toledo, ano 2002 (http://www.seacex.com/documentos/04_juderia_3_sefarad.pdf). Nessa obra, enumera-se uma peça similar, feita de prata, com 6,8x1,6x0,8 cm, correspondente a uma vareta decorada com três esferas e uma argola para pendurar numa corrente ao pescoço. Tem a extremidade também rematada por duas delgadas lâminas aguda e plana, e do lado contrário, uma pequena colher.
Existem inúmeros ritos judaicos que exigem uma purificação rigorosa do corpo, onde este utensílio seria indispensável, destacando-se entre eles o acto de Circuncisão - que obrigava a extremos cuidados de limpeza dos intervenientes.
Não obstante, não podemos atribuir com segurança uma origem judaica a este pequeno artefacto de higiene pessoal, enquanto não se identificarem mais paralelos, mesmo que a presença de comunidades judaicas em Vilar Maior tenha já sido anteriormente defendida.
Texto e foto de Marcos Osório
Via: "ARA - Associação de Desenvolvimento, Estudo e Defesa do Património da Beira Interior"