Uma linguagem de afecto
Durme,
durme, aguarela
Um destes dias, ouvindo uma
canção de embalar sefardita – “Durme, Durme” -, veio-me à memória que o Carlos
a tinha publicado aqui no blogue. Foi o ano passado, precisamente em 5 de
Agosto de 2012. A canção é lindíssima e a interpretação de Catarina Moura e do
Grupo Musical “Brigada Victor Jara”, proporciona-mos um momento de verdadeiro
prazer.
Durme, kerido hijico,/Durme sin
ansia y dolor.
Cerra tus lindos ojicos,/Durme,
durme com savor
Ouvir esta canção, fez-me lembrar outras e pensar que todos nós, na
nossa infância, fomos embalados ao som de uma certa canção de embalar. Tomei
então a liberdade de escrever um pouco sobre o assunto.
Não sou especialista em nenhuma área da Musicologia, e também não sei
nada em particular sobre canções de embalar. Mas sei aquilo que todos sabem…
que a canção de embalar, presente em todas as comunidades humanas, transmite
afecto e ternura à criança.
Mãe
e Filho, William Adolphe Bouguereau, 1825-1905
A
criança ao ser embalada adormece num sono reparador e tranquilo, reconhecendo
na voz da mãe, do pai ou da avó, uma presença que a ajuda a enfrentar o mundo
exterior, onde tudo é novo e pode meter medo. Na intimidade do momento, a
música e a palavra são como um vínculo de amor. Neste ritual de afecto
estabelece-se um diálogo, que com o tempo se há-de converter em vivências e
culturas de uma memória colectiva.
Mordechai
Gebirtig (2º a contar da esquerda, em cima) com a família (as três filhas estão
em baixo, à frente)
Propomos
agora a audição de uma berceuse yiddish – Shlof
Schoin main Jankele -, com música e letra de Mordechai Gebirtig (1877-1942),
músico e poeta de Cracóvia, e um dos nomes mais importantes ligados à
canção popular yiddish.
Mordechai Gebirtig dedicou os poemas às
suas três filhas, criando para eles melodias que improvisava numa flauta pastoril.
Em 1942, Gebirtig foi assassinado pelos nazis quando se recusou a obedecer a
uma ordem de deportação. A mulher e as filhas pereceram em campos de
concentração.
Schlof sche mir schoyn Jankele mayn scheyner,
Di Eygelach di schwastinke mach tsu.
A Jingele wos hot schoyn ale Tseynddelech,
Muss noch di Mame singen “ay lu lu”.
(…)
Dorme, dorme, Yankele,
meu belo filho.
Fecha os teus pequenos
olhos pretos.
Meu pequenino, agora que
já tens os dentinhos todos,
Queres que a mamã te
cante “ay lu lu”.
(…)
“Schlof Schoyn main Jenkele” –
interpretação de Yaacov Shapiro
Da
Polónia vamos dar um salto à África do Norte, para ouvirmos uma berceuse amazigh de Agadir. Os Imazighen, ou seja, “homens livres”, são
um conjunto de povos nómadas a que chamamos berberes; falam línguas berberes, e
estão espalhados principalmente na Argélia e em Marrocos, com menos
representatividade na Líbia, ou na Tunísia.
Menina amazigh, da Líbia
Canção
de Embalar Amazigh
Encontrei o meu irmão mais velho,/o sono, que me perguntou:
o que levas nos braços?/E eu respondi-lhe: a Lua.
A Lua está muito triste/e eu perguntei-lhe: onde está a alegria?
E ela respondeu:/a alegria está na casa de outros.
(…)
Encontrei o sono/e ele perguntou o que levava nos braços.
Eu respondi-lhe: é só a Lua,/e ele disse-me:/embala-a, embala-a.
Berceuse
Tradicional Amazigh - interpretação
de Monserrat Figueras
Pausa
Forçada, Alves Cardoso, 1913
Desta feita, escolhemos uma canção de embalar de Trás-os-Montes. Com uma
candura maravilhosa, diz assim:
“Ó,
Ó, MENINO, Ó”
Ó, menino, ó/Ó, ó,
ó,/Teu pai foi ao eiró,
Cuma vara de
aguilhão,/Pra matar o perdigão.
Ó, ó, ó, ó,/ó, menino,
ó/Teu pai foi ao eiró,
Tua mãe é borboleta/Logo
te vem dar a teta.
Ó menino ó (Trás-os-Montes) – Brigada
Victor Jara
A última canção dispensa apresentações. É a “Canção de Embalar” de José
Afonso.
Dorme meu menino a estrela d’alva/
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti
Ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô}bis
(…)
Zeca Afonso – “Canção de Embalar”
(Enviado
pela amiga Sónia Craveiro à qual desde já agradeço o envio deste magnifico
artigo).
Fontes:
FIGUERAS, Monserrat, Ninna Nanna, ALIAVOX
GRAÇA, Fernando Lopes, A Canção Popular Portuguesa, Edições Europa-América