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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Nós transmontanos sefarditas e marranos









Manuel Fernandes Vila Real. Seus pais eram de Vila Real e emigraram para Lisboa, terra onde Manuel Fernandes nasceu, em 1608. O início da sua vida activa foi na loja de fancaria de seu pai mas, aos 14 anos, foi com o governador Jorge de Mascarenhas para Ceuta, seguindo a carreira militar e ali atingiu o posto de capitão. Voltou a Portugal e foi com cobrador das rendas do Priorado do Crato e corretor dos reais de Lisboa que seu pai arrematara. Os negócios da família estendiam-se também ao Brasil, ao trato do açúcar e do tabaco. Para o transporte destes produtos do Brasil para Lisboa e para os portos do Mediterrâneo e do Báltico, Manuel Fernandes decidiu-se pela compra de um barco e com esse objectivo se dirigiu a Sevilha, Málaga, Ruão e Havre onde conseguiu efectuar a compra e a partir dali trabalhar na marinha mercante, com seus cunhados Manuel e João de Morais. Falecendo o João, Vila Real necessitou de ir a Paris. E levaria boas recomendações, a ponto de cair nas boas graças do chefe do governo, o poderoso Cardeal Richelieu. Sucedeu entretanto a revolução do 1º Dezembro de 1640 que colocou no trono de Portugal o rei D. João IV, da Casa de Bragança, que teve desde logo o apoio da generalidade da nação sefardita que vivia em Portugal mas também no resto do mundo, nomeadamente na Holanda, França e Inglaterra. Durante alguns anos, Manuel Fernandes foi uma espécie de embaixador itinerante, acompanhando altos dignitários da monarquia portuguesa em negociações diplomáticas e de apoio militar, bem como na compra de armas e mobilização de voluntários para o exército que, durante uns 18 anos, enfrentaria uma guerra com Espanha. Por tudo isso ele se terá constituído em alvo prioritário da inquisição que, nas artes da espionagem, tinha óptimos executantes, normalmente recrutados entre frades, como foi o caso. E vindo a Lisboa, em 1647, na companhia do Conde de Vidigueira que chefiara uma embaixada a Paris, Manuel Fernandes Vila Real foi preso pela inquisição, acusado de judaísmo e de ler livros proibidos. Recordemos que naqueles tempos se travava uma tremenda luta política entre a inquisição e o rei D. João IV que fora excomungado pelo Papa de Roma e por este via recusada a nomeação de bispos para Portugal. E o clímax desta luta política foi atingido no dia 1º de Dezembro de 1652. Com efeito, para comemorar os 12 anos da revolução que colocou no trono o rei D. João IV, a inquisição preparou uma festa magnífica com um grandioso auto de fé em que foi sentenciado e queimado na fogueira o embaixador Manuel Fernandes Vila Real. A presidir às cerimónias estava o próprio rei que, por disposição legal e obrigação política, não podia escusar-se a esta tremenda humilhação – presidir à festa de imolação de um dos seus maiores e mais desinteressados apoiantes! Resta, finalmente, dizer que Manuel Fernandes Vila Real foi também um homem de letras, escritor de tratados de diplomacia e política, o mais conhecido dos quais será El Político Christiano ó Discursos políticos sobre Algunas Acciones de la Vida del Eminentíssimo Señor Cardenal Richelieu, editado em França em 1641 e em 2005 reeditado pela Ed. Caminho com introdução biográfica e notas do Prof. Borges Coelho, também ele um ilustre transmontano e grande historiador da inquisição e cristãos novos, a quem devemos uma grande homenagem. A publicação daquele livro terá sido uma das causas próximas e directas da prisão e condenação à morte do embaixador Vila Real, pois que os inquisidores de Lisboa consideraram que tal livro continha matéria perigosa, ideias influenciadas pela doutrina judaica.



de António Júlio Andrade

Via: Os Judeus em Trás Os Montes