Judah Leon Abravanel
Médico, poeta e filósofo português
(1465-1523)
Os Labores do Tempo
O tempo com suas pontas afiadas atingiu o meu
coração e despedaçou-me as entranhas, deixou-me o ventre exposto, acertou-me
com um murro que não curará, deitou-me abaixo, deixou-me em agonia.
O tempo feriu-me, desperdiçou a minha carne, usou do
meu sangue e da minha gordura em sofrimento, fez dos meus ossos comida, e em
reboliço, num salto, atacou-me como um leão enfurecido.
Ele não parou à minha volta, exilando-me ainda nos
meus verdes anos, enviando-me aos tropeços, embriagado, vagueando pelo mundo,
estonteando-me vertiginosamente até ao abismo - até que passei duas décadas
nestas andanças em que os meus cavalos retomassem o fôlego - enquanto media aos
palmos os oceanos, pesando o pó dos continentes - até que a minha fonte se
gaste - não isto não foi suficiente.
Ele tirou-me os meus amigos, exilou os meus
confrades, enviou a minha família para longe, até que deixasse de ver uma cara
conhecida - pai, mãe, irmãos ou amigo.
Ele dispersou todos os que me são queridos para o
norte, para o oriente, ou para o
ocidente, até que não tenha descanso de tanto pensar, planear - e nunca tenha
um momento de paz, durante todos os meus planos.
Agora que vejo o meu futuro no oriente, a separação
apertou-me até aos tornozelos.
O meu pé feito para andar, mas o meu coração está no
mar.
Não posso dizer o que vai acontecer a partir do que
aconteceu antes.
In Crisis and
Creativity in the Sephardic World, 1391- 1646.
Direcção de Benjamin R.Gampal, Nova Iorque,
Columbia. University Press, 1997, pp. 223-224
Retirado do livro: “Portugal Tolerante”, págs. 73 e 74.