terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Os Labores do Tempo




Judah Leon Abravanel
Médico, poeta e filósofo português

(1465-1523)



Os Labores do Tempo




O tempo com suas pontas afiadas atingiu o meu coração e despedaçou-me as entranhas, deixou-me o ventre exposto, acertou-me com um murro que não curará, deitou-me abaixo, deixou-me em agonia.


O tempo feriu-me, desperdiçou a minha carne, usou do meu sangue e da minha gordura em sofrimento, fez dos meus ossos comida, e em reboliço, num salto, atacou-me como um leão enfurecido.


Ele não parou à minha volta, exilando-me ainda nos meus verdes anos, enviando-me aos tropeços, embriagado, vagueando pelo mundo, estonteando-me vertiginosamente até ao abismo - até que passei duas décadas nestas andanças em que os meus cavalos retomassem o fôlego - enquanto media aos palmos os oceanos, pesando o pó dos continentes - até que a minha fonte se gaste - não isto não foi suficiente.


Ele tirou-me os meus amigos, exilou os meus confrades, enviou a minha família para longe, até que deixasse de ver uma cara conhecida - pai, mãe, irmãos ou amigo.


Ele dispersou todos os que me são queridos para o norte, para  o oriente, ou para o ocidente, até que não tenha descanso de tanto pensar, planear - e nunca tenha um momento de paz, durante todos os meus planos.


Agora que vejo o meu futuro no oriente, a separação apertou-me até aos tornozelos.

O meu pé feito para andar, mas o meu coração está no mar.

Não posso dizer o que vai acontecer a partir do que aconteceu antes.




In Crisis and Creativity in the Sephardic World, 1391- 1646.
Direcção de Benjamin R.Gampal, Nova Iorque, Columbia. University Press, 1997, pp. 223-224










Retirado do livro: “Portugal Tolerante”, págs. 73 e 74.