domingo, 24 de agosto de 2014

Vilamar




Por mero acaso, ao ler sobre localidades portuguesas que pudessem ter ainda alguns vestígios sobre a presença judaica na sua história local, encontrei esta preciosidade que coloco aqui.






Vilamar é uma freguesia que pertence ao Concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra e  tem como limites as freguesias de Corticeiro de Cima, Fonte de Angeão, Covão do Lobo, Febres e S.Caetano.
Vilamar encontra-se situada na região natural da Gândara. 
Ao longo dos anos o povo gandarês, considerado laborioso e humilde, procedeu à tarefa ingrata de adubar as suas terras com a agulha do pinheiro e o estrume dos estábulos. Também outrora comprava caranguejo(escasso) e algas(moliço) como fertilizantes.
Era típico em casa de proprietários rurais, geralmente ligados à ourivesaria, ver-se raparigas" a servir" e trabalhadores eventuais pagos ao dia alguns" a seco" ou com parte em comida " a de comer".
Uma outra característica desta região é a casa gandareza, que por condicionalismos físicos e económicos, constituía a habitação rural típica desta população. É uma construção que utiliza materiais ligeiros, com predomínio do adobe e da madeira de pinho, durando sensivelmente uma vida humana.É uma casa térrea, de duas águas, com um pátio fechado, geralmente orientado para sul, cuja fachada principal se compõe, invariavelmente, de janela-porta-janela. A sua planta típica é: à frente, sala e meia-sala, de seguida dois quartos separados por corredor que desemboca na cozinha. Relativamente à origem do povoado que hoje é conhecido como Vilamar, outrora Escumalha, bem como dos antepassados dos que actualmente constituem a sua população, não há dados precisos. A área geográfica onde hoje se confina Vilamar, era, até ao século XVI, floresta e matagal, completamente desabitada.
Quanto ao topónimo Escumalha várias hipóteses têm sido avançadas, embora pouco plausíveis, a saber:


        - Existência de uma fábrica de pez e breu;
        - Provável existência de uma colónia de judeus que ali se teria furtado à perseguição da Inquisição;
        - Junto à lagoa do Frade vivia uma raça de muito fraca reputação ( os Rabinos ) que passaram depois    para a zona dos "Covis".
        - Existência de uma lixeira de ferro velho algures situada na actual Travessa Luís Rato.


Porém, a hipótese relacionada com o aparecimento dos judeus, que se fixaram nesta zona, junto da Lagoa da Torre ( ou do Frade ), onde prosperou, em resultado do seu dinamismo, tem sido a hipótese, ou lenda, que tem prevalecido.
O relacionamento desse povo com os habitantes mais próximos da região não era o melhor, dado serem quezilentos e pouco comunicativos, dificultando assim a criação de laços de amizade, o que lhes valeu o epíteto "Escumanheiros" que etimologicamente significa em tom depreciativo, coisa sem valor, restos.       
Poderá ser daí a origem do primeiro nome da povoação: Escumalha.


De qualquer forma, o " Livro do Tombo da Villa de Cantanhede " datado de 1683 enumera 15 povoações ( Balsas, Arrancada, Lagoas da arrancada, Fontinha, Forno Branco, Boeiro, Serredade, Chorosa, Sanguinheira, Cabeços, Quinta do Marco, Corticeiro Grande, Corticeiro Pequeno, Fonte Errada e Montinho).
A primeira referência a Escumalha surge em 1758, aumentando aquele número para 21 ( às referidas anteriormente somam-se agora Escumalha, Corgos, Carvalheira, Arneiro da Carreira ou Carapelhos, Rochadas e Sobreirinho). Em 1792 existiam já 23 povoações ( além das anteriores, Carrizes e Leitões passam a estar referenciadas).
Podemos, pois, concluir que o núcleo inicial de Escumalha terá surgido há cerca de 300 anos, e em 1958 era composto por 12 fogos, passando para 31 e 83, respectivamente, em 1791 e 1854.






Mas voltando às origens, será que Vilamar e os seus habitantes serão descendentes de judeus?
Os mais antigos dizem que sim. Tendo em conta os elementos que caracterizam o povo judeu- fisionomia, perspicácia, inteligência e exímia no negócio- a profissão de ourives, que desde sempre grangeou as maiores simpatias do povo desta zona, fácil será estabelecer essa correlação.
De facto, muitos vilamarenses abraçaram a actividade de ourives.
A ourivesaria, actividade com larga tradição em Portugal, manteve-se durante séculos quase exclusivamente ligada a dois principais centros urbanos, Lisboa e Porto. Porém com o Regulamento das Contrastarias no final do séc. XIX, evita-se a produção de objectos com matéria prima adulterada, desenvolvendo-se, assim, um novo tipo de produção, a ourivesaria popular, que manufactura objectos de baixo preço e de uso pessoal, dirigindo-se esta preferencialmente à população rural.
Surgem então os ourives ambulantes oriundos maioritariamente da região gandareza, onde o peso específico de Vilamar se acentua ao longo dos anos. Emerge, assim, um grupo social com poder económico superior ao cenário geral da região gandareza.
Tendo como alternativa a agricultura de subsistência no limiar da pobreza, praticamente todos os filhos de proprietários, aliciados por ourives familiares e amigos já estabilizados, experimentaram fazer a "volta". Desta forma partiram, transportando no suporte da bicicleta, o pequeno baú de folha de flandres, pintado de cor verde ( mala verde ) recheado de cartões de ouro e prata, complementado com relógios, e semanas mais tarde regressam, se o negócio correr bem, com algum cascalho e dinheiro.


Na década de 30 existiam mais de 60 ourives ambulantes oriundos da Escumalha, a exercer a sua actividade em todo o país. Com o decorrer dos anos  uma parte deles conseguiu angariar fortuna, radicando-se alguns em Vilamar como fornecedores de artigos de ourivesaria e outros estabelecendo-se nas mais variadas regiões do país. De facto é possível encontrar ourivesarias de vilamarenses desde o Algarve a Trás-os-Montes. Existem ainda em Vilamar uma quantidade significativa de ourives e relojoeiros que se dedicaram ao concerto/reparação e até fabrico de peças de ourivesaria/relojoaria.


A par das actividades comerciais há que salientar o bairrismo desta gente no que respeita à valorização da sua terra, procurando enriquecê-la das mais variadas formas.
Expressões evidentes deste bairrismo encontram-se quer na mudança do nome originário da povoação, quer na macadamização de estradas, quer no processo de instalação de luz eléctrica, quer na rede de abastecimento de água ou quer no empenho de criação da freguesia civil e religiosa e construção da Igreja. Na década de 30, eram frequentes as referências elogiosas a esta povoação em toda a imprensa regional. Frases como, " a mais progressiva povoação do concelho; a mais importante e rica povoação da freguesia,constituída por homens que levam o nome de Cantanhede às mais recônditas terras, salientam o dinamismo de muitos dos seus filhos".




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