terça-feira, 4 de março de 2014

A Bíblia Kennicott




Uma Bíblia Sefardita 
da Galiza




O Leão de Judah guardando a menorah do Santuário, fólio 120.




A famosa Bíblia Kennicott é um códice medieval escrito em estilo sefardita, profusamente iluminado, que combina motivos da religião hebraica, arte abstracta de influência islâmica e popular. Compreende os livros da Bíblia Hebraica (Tanach) – a Torah, Profetas e Escritos -, a massorah (exame crítico do texto da Bíblia, com notas sobre a escrita, vocabulário, pronúncia e outros comentários) e um tratado gramatical do Tanach (Sefer Mikhol), do século XII, do rabino da Provença, David Kimchi (RaDaK). 






Iluminura em estilo islâmico.





Página do tratado gramatical (Sefer Mikhol) de RaDaK, fólio 7b.



 Este manuscrito hebraico é conhecido por Bíblia Kennicott, por ter sido adquirido por Benjamin Kennicott (1718-1783), um destacado membro do clero anglicano e prestigiado especialista na Bíblia Hebraica, que dedicou a sua vida a estudar e a comparar variantes de texto em centenas de manuscritos hebraicos, vindo a publicar o resultado das suas investigações na obra Dissertatio Generalis. 





Primeira página do Livro de Génesis, fólio 9.



A Bíblia Kennicott possuiu cólofon detalhado do escriba, Moisés Ibn Zabara, bem como do iluminador, Joseph Ibn Hayyim.





Cólofon do escriba, fólio 438.



O escriba Moisés Ibn Zabara escreve no seu cólofon que o manuscrito foi encomendado por Isaac, filho de Dom Salomão de Braga, tendo terminado a obra na cidade da Corunha, província da Galiza, numa 4ª feira, no terceiro dia do mês de Av, no ano da criação de 5236 (24 de Julho de 1476). Declara ainda, que foi o responsável pelo texto de todos os vinte e dois livros da Bíblia, notas massoréticas e respectiva correcção. 





O Profeta Bilam, Números 22.



 A ilustração acima pertence à Parashat Balak, do Livro de Bamidbar (Números 22-24). Representa Bilam, o profeta gentio ao serviço do rei Balak de Moav, que tentou amaldiçoar o Povo de Israel. Joseph Ibn Hayyim apresenta-o segurando um astrolábio, o mais simbólico dos instrumentos astronómicos medievais. Na Idade Média, o astrolábio estava associado ao poder e ao luxo das cortes muçulmanas e cristãs, onde os astrólogos (frequentemente judeus) o usavam para prever o futuro do rei e do reino. 





A Bíblia Kennicott, painel.



 Desconhece-se o percurso desta obra notável, entre 1492, data da expulsão dos judeus de Espanha, e o século XVIII. Poder-se-á especular que Isaac de Braga, que devia ter família e relações comerciais com Portugal, terá primeiro fugido para Portugal antes de partir para outra parte da Europa. Certamente não se desfez da sua preciosa Bíblia, pois de outra forma ela não teria sobrevivido ao édito do rei D. Manuel I, que ordenou a destruição de todos os livros hebraicos do seu reino. Não se sabe para onde fugiu Isaac de Braga, nem se os seus herdeiros foram obrigados a vender a Bíblia para sobreviverem. Esta parte da história permanece um mistério. Sabe-se, apenas, que em 1771 foi parar às mãos de Benjamin Kennicott, fazendo actualmente parte do acervo da Bodleian Library, em Oxford. 




Via: Blogue Eterna Sefarad