Lúcio, tu cantas Virgínio, ilustre pela vitória do líbico Marte, e as ímpias revoltas do Xerife e o mar de Tartesso coberto das armadas turcas.
E também referes, em versos latinos, as públicas festas e a alegria da manhã célebre em que foi entregue a Sebastião, filho póstumo, o ceptro do antigo Luso.
Num e noutro tema, brilha o vigor do teu alado engenho. Nem tu és espírito sem arte ou ignorante dos princípios que ensinam os escritos brilhantes do Panécio. As águas do Permesso, às límpidas correntes do Douro tu as misturas, e cinges a tua cabeleira duma coroa fresca. Ó honra, ó glória, ó esplendor da pátria gente e protecção singular do teu poeta!
A mim, a saudade da minha mãe e o meu pai, vítima de triste sorte, me forçam a passar em lágrimas os dias, em lágrimas as noites contínuas, em cruel sucessão, lá por onde o Pó, entre choupos, banha as muralhas do senhor Hércules, com a sua linfa vítrea; o Pó, célebre pela sua foz de sete bocas, com que a seguir acrescenta o mar Adriático.
Aqui eu suspiro, aqui, expulso do lar paterno, eu choro e, profusamente, nas minhas derradeiras preces, a Deus rogo que por fim se compadeça de quem lhe suplica.
Diogo Pires ou Didacus Pyrrhus Lusitanus
Diogo Pires (1517 – 1599), como muitos outros cristãos-novos, fugiu de Portugal na primeira metade do século XVI. A expulsão dos judeus que recusaram o baptismo em 1497 e o massacre de cristãos-novos que teve lugar em Lisboa em 1506, não prenunciavam nada de bom, tal como veio a demonstrar-se com a vinda da Inquisição para Portugal, em 1536.
Gravura a cobre intitulada "Die Inquisition in Portugall" por Jean David Zunner retirada da obra "Description de L'Univers, Contenant les Differents Systemes de Monde, Les Cartes Generales & Particulieres de la Geographie Ancienne & Moderne." por Alain Manesson Mallet, Frankfurt, 1685, da colecção privada do Dr. Nuno Carvalho de Sousa.
Ao contrário de muitos conversos portugueses com formação universitária que partiram para o estrangeiro, Diogo Pires não era médico, embora deva ter estudado medicina. Era sim um humanista e foi um poeta excelente em língua latina.
Nasceu em Évora em 5 de Abril de 1517. Deverá ter sido baptizado, mas isso não lhe ofereceu suficiente segurança para ficar em Portugal. Foi estudar para Salamanca em 1535, terá passado por Sevilha, Toledo e Paris, mas em 1536 aparece já em Liège. Matriculou-se em Lovaina no início de 1536, o que lhe permitiu conviver com os literatos do seu tempo. Esteve vários anos na Flandres, onde encontrou Girolamo Falletti, que mais tarde incluiu poemas dele nos seus livros. Composições suas aparecem em diversos livros impressos na Flandres.
Cidade de Évora.
Fotografia de João Vieira - Viajamos.com.br
Placa colocada numa rua em Évora.
Fotografia retirada de: thedailymiacis.blogspot.pt
(Sofia Miacis)
Por volta de 1540, Diogo Pires chega a Itália, e instala-se por uns tempos na cidade de Ferrara.
No início de 1549 vai para Ancona. Em Maio e Junho de 1552, desloca-se a Roma, onde reinava então o Papa Júlio III, relativamente tolerante para com os judeus. Ali encontra D. Miguel da Silva, então ainda muito prestigiado.
Desde finais de 1552 até 1556, não há muitas notícias do paradeiro de Diogo Pires.
Entretanto, a relativa bonança de que gozavam os judeus em Itália, terminou com a eleição do Cardeal Caraffa como Papa Paulo IV em 23 de Maio de 1555 e que lhes promoveu uma perseguição cerrada. Os judeus portugueses de Ancona foram dos que mais sofreram. O Prof. Andrade conclui que o pai de Diogo Pires, Henrique Pires ou Isaac Cohen foi queimado nos autos-de-fé que ocorreram entre 7 e 12 de Junho de 1556.
Em fins de 1556 ou princípios de 1557, Diogo Pires saiu de Itália para Ragusa, hoje Dubrovnik. Era na altura uma pequena república independente, que fazia a ponte entre a Europa e o Império Turco, onde se integrava a actual Bósnia. Ali ficou até à morte, em 1599, de tal modo que é praticamente considerado na Croácia como um poeta nacional.
Convém saber distinguir o poeta Diogo Pires, de que aqui referimos, do intitulado messias Diogo Pires, com o nome judeu Solomon Molcho ou Salomão Molco, que foi executado na fogueira em Mântua, em 1532.
Assinatura do português Salomão Molco ou Molcho.
Fonte: http://www.arlindo-correia