Um feliz 2014 !!!
É minha intenção primordial fazer deste blog um repositório das tradições, costumes, factos e curiosidades sobre os judeus sefarditas em Portugal, e consequentemente também da restante Península Ibérica. Honremos sem complexos ou temores de qualquer ordem o nosso passado, para assim melhor conhecermos o presente e o nosso futuro, como pessoas e como nação.
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
As Judiarias no traçado da Vila de Elvas
Vivia-se uma nova era no plano urbanístico da vila, a saída directa para o exterior, a partir do castelo ou da alcáçova era uma realidade da época da reconquista como provam as várias ruas estruturantes dos séc. XIV e XV, as praças e os amplos terreiros crescem em ruas mais largas uniformemente em torno do traçado antigo. Mas o progressivo aumento demográfico que a Vila de Elvas conheceu até finais do séc. XV era também o resultado da presença e crescimento da comunidade judaica, uma realidade extensiva em toda a raia do distrito de Portalegre onde a proliferação dos judeus foi evidente por duas causas bem determinadas: a prática comercial e o exílio evidente nos períodos em que a Inquisição Espanhola, determinava o refúgio clandestino em terras portuguesas. Em fins do séc. XIV a vila de Elvas tal como outras de fronteira como são os casos de Trancoso, Guarda e Castro Marim eram centros de atracção para esta população flutuante clandestina que no Alentejo crescia em torno de outros centros urbanos como: Estremoz, Vila Viçosa e Beja [Elucidário, II ,325].A referência documental da Judiaria de Elvas mais antiga que se conhece situa-se por volta de 1386, mas a sua existência será provavelmente anterior a meados do séc. XIV como as demais situadas na raia nacional. A sua localização é ainda hoje problemática, pois a documentação é escassa e imprecisa na sua informação, mesmo quando se tem em consideração a documentação da Chancelaria Régia ou os Processos da Inquisição de Évora, fundamentais na caracterização e identificação do perfil dos judeus e cristão novos de Elvas. As outras questões que se formulam é se devemos falar da Judiaria de Elvas ou da Judiaria Nova, são aliás estas as designações que encontramos em algumas obras publicadas por historiadores locais e nacionais.
Rua das Beatas - Elvas.
Fotografia de António Góis - miconge1961.blogspot.pt
Rua dos Sapateiros - Elvas.
Fotografia de geomentor - /www.panoramio.com/photo
Nesta perspectiva, a problemática situa-se na inserção da comunidade judaica no espaço e no tempo, assim se tivermos em consideração as ruas dos Mercadores, Sapateiros, Beatas e outras afins que se ligavam entre si em torno de um espaço exterior à Alcáçova como referem alguns investigadores locais, não estaremos a caracterizar a Judiaria de Elvas mas provavelmente a Judiaria Velha. Sendo assim a Judiaria Nova proposta por alguma bibliografia nacional com base numa tese académica, estava quase limitada ao exterior do espaço da Porta do Templo e que envolvia praticamente o bairro residencial da rua das Beatas … ? Assim e considerando as fontes possíveis, (as objectivas seriam as arqueológicas), registamos um documento do séc. XVI [ANTT, nº 8031, fls. 157-1258], que identifica a Rua Nova ou antiga Judiaria, situada na actual artéria do Alcamin, referindo ainda que muitos judeus continuavam a habitar aquela rua e que antigos descendentes de judeus tinham como residência moradas de casa, na Praça, na rua da Feira e junto das portas de Olivença e Évora. Ou seja, quando falamos da Judiaria de Elvas, devemos ter duas realidades distintas, a Judiaria Velha a norte da actual Praça da República centrada nas ruas onde situavam os principais ofícios artesanais e a Judiaria Nova, onde a prática mercantil e artesanal, marcava a vida económica na época fernandina. A certeza porém da existência de duas Judiarias na Vila de Elvas e uma outra em Vila Boim é simplesmente indiscutível quando o ofício das rendas da Judiaria de Elvas, no qual o alcaide mor Rui de Abreu, recebia as rendas das referidas comunidades das três Judiarias elvenses no valor de 113. 333 reais.
de Arlindo Sena
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
As lágrimas da nação sefardita
"As lágrimas da nação sefardita", de Jordi Pedrola.
Para Jordi Pedrola, pintor nascido em Barcelona, a linguagem universal da arte se expressa na força das suas raízes catalãs, através do contraste, gesto e cor.
A combinação destas duas palavras é a base para a cultura catalã. Sua paisagem é cheia de contrastes, e esses contrastes estão presentes em toda a sua obra.
"Vento do norte".
domingo, 29 de dezembro de 2013
Allariz (Galiza)
A cerca de vinte e cinco quilómetros a sul da cidade de Ourense, encontra-se a localidade galega de Allariz, situada nas margens do rio Arnoia.
Sua origem perde-se na lenda e ganha destaque a partir do século XI, embora atinja o seu verdadeiro esplendor por volta do século XII, a partir do qual muitos de seus edifícios são edificados.
A presença de uma comunidade judaica está documentada num tratado que os judeus fizeram com o Conselho local em 1289, acordo liderado por Isaac Ismael. Esta comunidade estaria, segundo escavações realizadas no local, em torno da Rua Nova e Socastelo, arruamentos posteriormente alterados com a total cristianização do local.
Para mais informação: http://sefardies.es
sexta-feira, 27 de dezembro de 2013
Banhos judaicos medievais descobertos em Coimbra
Paulatinamente se vai descobrindo vestígios do património judaico em Portugal. Património que sempre se manteve no país, o que mudou, foi estarmos mais atentos à sua presença.
Luís Miguel Queirós - 26/12/2013
Jornal Público (Cultura)
Técnicos da autarquia descobriram por acaso na cave de um prédio o que parece ser uma pequena piscina medieval para uso ritual de mulheres judias.
Uma rotura de canos num prédio de Coimbra levou à descoberta do que se julga ser uma estrutura medieval destinada a banhos rituais femininos judaicos. Esta espécie de pequena piscina para fins religiosos apareceu na cave de um edifício da Rua do Visconde da Luz, na área da antiga judiaria da cidade, e está surpreendentemente bem preservada.
O arqueólogo Jorge Alarcão diz que, neste estado de conservação, “pode ser caso único em Portugal”. E o presidente da Câmara de Coimbra, Manuel Machado, embora ressalve que “o estudo do achado ainda está a decorrer”, admite que se trate da “descoberta arqueológica mais importante que se fez em Coimbra ao longo dos últimos 70 anos”.
Ou seja, depois da descoberta do criptopórtico romano, agora devidamente recuperado e visitável no recentemente reaberto Museu Nacional Machado de Castro, o achado destes banhos judaicos promete oferecer mais uma peça importante ao património de Coimbra. Mas ainda há muito a fazer. Neste momento, explica Manuel Machado, “está-se ainda a identificar os proprietários e os direitos envolvidos, uma vez que não havia qualquer registo daquela existência”. O autarca explica que o que agora se descobriu “está na cave de um prédio particular, ao lado da Ourivesaria Marialva”, mas alerta para a possibilidade de a investigação poder vir a revelar que este tanque integra um conjunto mais vasto, cuja área abranja também o subsolo de outros edifícios da zona.
O que para já se trouxe à luz parece ter boas possibilidades de ser um dos mais antigos banhos rituais judaicos (mikveh) descobertos na Europa, já que tudo indica que não seja posterior ao século XIV. E se efectivamente se destinava a banhos rituais femininos, é ainda mais raro.
A comunidade judaica está documentada em Coimbra desde tempos anteriores à nacionalidade, e sabe-se que a Rua de Visconde da Luz, outrora chamada do Coruche, era um dos limites da chamada judiaria velha, que terá sido desactivada no reinado de D. Fernando I, por volta de 1370. Daí que Jorge Alarcão acredite que estes banhos “já funcionavam certamente antes do tempo de D. Fernando”.
Avaria providencial
Se há males que vêm por bem, pode dizer-se que foi o caso com o rebentamento dos canos de esgoto de um prédio da Rua do Visconde da Luz, mais precisamente o n.º 21. Quando os técnicos municipais da Divisão de Promoção e Reabilitação da Habitação foram tentar resolver o problema, viram-se na necessidade de aceder a um espaço fechado nas traseiras do edifício. A divisão não seria usada há muito e foi preciso arrombar uma porta de metal. Verificou-se, então, que se tratava da entrada para uma cave, à qual se acedia por um lance de escadas em pedra. Nesta cave, uma nova abertura conduzia ainda mais abaixo, ao que parecia ser uma fonte de chafurdo ou mergulho (fontes das quais tradicionalmente se tirava água submergindo as próprias vasilhas).
Alertado o Gabinete para o Centro Histórico, foram feitas duas visitas ao local nos dias 18 e 19 de Novembro, que envolveram técnicos de várias especialidades, incluindo a arqueóloga Raquel Santos, a historiadora de arte Luísa Silva e o técnico de conservação e restauro Manuel Matias.
O que encontraram foi uma gruta natural de calcário, aparentemente utilizada para vários fins ao longo dos tempos. E quando desceram os degraus e viram a pequena piscina, começaram por admitir que pudesse efectivamente tratar-se de uma fonte de chafurdo. Mas à medida que investigavam mais minuciosamente o local, foi-se tornando evidente que aquele era um espaço que fora cuidadosamente concebido.
Por cima da cabeceira do tanque, descobriram-se mesmo vestígios muito razoavelmente conservados de um antigo fresco com motivos florais. Os técnicos estão convencidos de que esta pintura datará provavelmente dos séculos XVI ou XVII e corresponderá à última fase de utilização ritual deste tanque.
Dado que a estrutura se encontra na área da judiaria velha, e parece corresponder perfeitamente às descrições dos banhos de purificação judaicos da época, a convicção actual é de que se trata mesmo de um mikveh (também grafado mikvah). Os frescos, e a própria dimensão reduzida do tanque, apontam para que fosse usado por mulheres.
A descoberta já foi comunicada à Direcção Regional de Cultura do Centro e, neste momento, segundo Manuel Machado, a prioridade é identificar todos os eventuais proprietários envolvidos, estudar o achado, garantir a sua preservação e verificar se não faz parte de um sistema mais amplo.
A fraude holandesa
E os próximos tempos servirão também para se confirmar de modo mais inequívoco que se trata mesmo de banhos rituais judaicos. Há precedentes de descobertas semelhantes cuja autenticidade veio a ser contestada. É o caso do mikveh da cidade holandesa de Venlo, descoberta em 2004, datada do século XIII e publicitada como a mais antiga do país.
O município gastou cerca de dois milhões de euros em obras de restauro e na construção de uma nova ala no museu municipal, onde os supostos banhos medievais judaicos iriam ser admirados. Mas afinal parece que a cave em causa nunca fora utilizada para quaisquer rituais judaicos e que o arqueólogo municipal fora instruído pelos seus superiores para defender a tese de que se tratava de um mikveh e silenciar quaisquer hipóteses alternativas.
O que é significativo neste recente caso holandês é verificar-se que a descoberta de uma mikvá medieval é considerada suficientemente relevante para levar poderes públicos a tentar confirmá-la por meios fraudulentos. Com o turismo cultural judaico em franco crescimento, este é um tipo de achado que pode tornar-se altamente rentável. E a suposta mikvá de Venlo tinha ainda a adicional importância simbólica de atestar a existência de uma comunidade judaica fortemente estruturada muito antes da chegada ao país dos judeus fugidos de Espanha e Portugal.
Aquela que é reconhecidamente o mais antigo mikveh conhecido na Europa é a de Siracusa, na Sicília, que datará provavelmente do século VII. Bastante mais antigos são os banhos rituais judaicos descobertos em 2009 em Jerusalém, uma estrutura de grandes dimensões que se crê ser anterior à destruição do segundo Templo, em 70 d.C..
Nos meios do judaísmo ortodoxo o mikveh, tem de ser alimentado por uma fonte natural de água, desempenha ainda hoje um papel importante. As mulheres usam as que lhes são destinadas para recuperar a “pureza ritual”, designadamente após o ciclo menstrual ou depois de um parto. Os regulamentos obrigam a que todo o corpo entre em contacto com a água e os mikvot actuais têm geralmente uma funcionária encarregada de ajudar as mulheres a cumprir correctamente este e outros preceitos.
Fonte: http://www.publico.pt/cultura/noticia/
banhos-judaicos-medievais-descobertos-em-coimbra-
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
Ketubot do mundo (II Parte)
Israel, 1860.
Yemen - Aden, 1925.
Irão - Isfahan, 1927.
Índia - Bombaim, 1862
(The National Archive of Yad Izhak Ben Zvi - Jerusalém).
(The National Archive of Yad Izhak Ben Zvi - Jerusalém).
Síria - Damasco, 1869
(Mane-Katz Museum, Haifa).
(Mane-Katz Museum, Haifa).
Sérvia - Belgrado, 1830
(JewishNational and University Library).
(JewishNational and University Library).
Fontes: safed-tzfat.blogspot.pt (Fevereiro de 2007)
JewishNational and University Library)
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
Ketubot de Portugal e Itália (I Parte)
O Ketubah é um contrato matrimonial de acordo com a lei judaica, em que o marido garante à sua esposa que vai cumprir com determinadas responsabilidades, tanto financeiras como pessoais, em relação ao cônjuge.
Como é de tradição, as Ketubot (plural de Ketubah), são escritas em aramaico, a linguagem jurídica da lei talmúdica, e não em hebraico, isto devido ao aramaico ter sido o idioma utilizado pelos judeus durante o exílio na Babilónia, e aquando do seu regresso à terra de Israel, definiram as responsabilidades matrimoniais.
A Ketubah reafirma as condições fundamentais impostas pela Torah sobre o marido, exemplo disso é o dever de fornecer à sua esposa alimentação, roupas e direitos conjugais, que são inseparáveis do casamento. Inclui também a garantia do marido pagar uma certa quantia em caso de divórcio, e direitos de herança obrigatórios sobre os seus herdeiros, no caso de ele morrer antes da esposa.
Portugal - Faro, 1888.
Lisboa, 1830.
Madeira, 1867.
Itália - Veneza, 1674.
Pádua, 1722.
Veneza, 1750.
Fontes: www.chabad.org www / jewishencyclopedia.com / jnul.huji.ac.il
((Jewish National and University Library)
safed-tzfat.blogspot.pt - Fevereiro de 2007
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
A frase da semana
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo."
Natália Correia
Entrevista(1983)
Rir é o melhor remédio...
A meio da noite, um ladrão entra numa capoeira de onde rouba dois patos.
Conforme vai saindo de mansinho da capoeira, o dono da casa surge atrás dele e toca-lhe com a bengala na cabeça.
O ladrão assusta-se, vira-se devagarinho e depara com um sujeito baixinho, de fatinho, monóculo no olho direito e bengala.
O sujeito diz-lhe então:
- Ó bucéfalo anácroto! Não o interpelo pelo valor intrínseco dos bípedes palmípedes, mas sim pelo acto vil e sorrateiro de profanares o recôndito da minha habitação, levando os meus ovíparos à sorrelfa e à socapa. Se fazes isso por necessidade, transijo, mas se é para zombares da minha elevada prosopopeia de cidadão digno e honrado, dar-te-ei com a minha bengala fosfórica bem no alto da tua sinagoga, e o farei com tal ímpeto que te reduzirei à quinquagésima potência do que vulgo denomina por nada!
E o ladrão, confuso, diz:
- Doutor... eu levo ou deixo os patos?
segunda-feira, 23 de dezembro de 2013
Francisco Sanches
(1550 — 1622)
Nasceu na região pertencente à diocese de Braga, Filho de pais conversos, em 25 de Julho de 1551, com menos um ano de idade é baptizado na fé católica na Igreja de São João do Souto da mesma cidade.
Com 12 anos saiu de Portugal e foi para Bordéus, onde se matriculou e frequentou o famoso colégio de Guiana, local de grande "efervescência" intelectual, em que influíam o Renascimento italiano e o reformismo religioso.
No ano de 1569 saiu de Bordéus e foi para Itália. Ali seguiu os estudos de medicina, aprendendo a investigar em cadáveres. Mais tarde, de novo em França, prosseguiu essa prática no hospital de Toulouse, onde foi director dos serviços médicos durante mais de trinta anos.
Em 1573 matriculou-se na Faculdade de Medicina de Montpellier e, dois anos depois, fixou residência em Toulouse, onde permaneceu até ao fim da vida, ensinando medicina, tendo sido considerado nesta universidade um dos mestres mais ilustres. Como homenagem póstuma foi colocado o seu retrato num dos ângulos da sala dos Actos e lá permanece. A cidade de Braga não o esqueceu, erigindo- lhe uma estátua e dando o seu nome a uma escola.
Autógrafo no Diploma da Universidade de Mompilher.
Para além de um excelente médico, Francisco Sanches foi também um importante filósofo: contestou a filosofia de Aristóteles e o pretenso saber da escolástica, mostrando o falível do testemunho dos sentidos, denunciando a ineficácia dos métodos tradicionais e tentou definir o seu próprio ideal de conhecimento.
A sua obra principal saiu na I edição (Lyon, 1581), com o título "Quod nihil scitur" (Que nada se sabe), mas a II edição (Frankfurt, 1618), trouxe o título mais condicente com o seu pensamento: "De multum nobili et prima universali scientia quod nihil scitur".
Além deste e de muitos outros trabalhos filosóficos, que constituem a magnífica "Opera médica".
Fontes: wwwbragablog.blogspot.pt/ wikipedia
Ilustres judeus portugueses que vingaram na Rússia
Imagem: darussia.blogspot.ru
A 5 de Dezembro de 1494, o rei português D. Manuel I, a fim de conseguir a mão de uma das filhas dos reis católicos espanhóis, decidiu expulsar os judeus de Portugal que não aceitaram converter-se ao Catolicismo, tendo esse povo procurado refúgio no Império Otomano, Norte e Centro da Europa, bem como no Império Russo.
Ainda hoje se pode encontrar entre judeus russos apelidos como Portugal, Portugalov, Devier (de Vieira) e Dacosta (da Costa).
Entre os que viveram na Rússia e fizeram brilhantes carreiras, podemos citar António Vieira, primeiro chefe da polícia de São Petersburgo; António Ribeiro Sanches, médico de vários czares russos, e João da Costa, bobo da corte de vários senhores da Rússia.
É precisamente deste último que vamos falar.
Entre os cerca de cem pessoas que tinham o título de bobo na corte russa, um descendente de marranos portugueses, João da Costa, figurava entre os mais sábios e próximos do czar Pedro I. Tratava-se de um homem extremamente culto para a época: sabia, além, do português, espanhol, italiano, francês, alemão e holandês. Embora tenha vivido 26 ou 27 anos na Rússia e se ter casado com uma mulher russa, nunca aprendeu a falar a língua do seu país de acolhimento, visto que ela começava a ser pouco empregue na alta sociedade de São Petersburgo. O francês e o alemão eram as línguas dominantes entre a nobreza russa, tendo a primeira ocupado esse lugar até meados do séc. XIX.
Pedro I da Rússia.
António Ribeiro Sanches, outro ilustre português que viu na Rússia e se encontrou com o bobo, a quem comprou parte da sua biblioteca pessoal, foi o autor da única biografia de João da Costa que chegou até nós, sendo uma homenagem às qualidades daquele que “não foi douto por não saber latim”.
O médico português António Ribeiro Sanches.
Uma das numerosas anedotas em que o bobo português é a personagem central vem confirmar a opinião do seu conterrâneo:
“Costa, homem bastante culto, gostava muito de livros. A sua esposa, que não se dava lá muito bem como o marido, disse num dos momentos de meiguice:
- Meu amigo, como gostaria de me transformar num livro para ser objecto da sua paixão!
- Nesse caso, gostaria de ter-te como calendário, pois pode substituir-se todos os anos – respondeu o bobo”.
Reza a biografia que João Christian Semah da Costa Cortiços nasceu em Sali (Sale), em Marrocos, na África, numa família de judeus portugueses. Aos 16 anos, já convertido ao cristianismo, parte para a cidade de Hamburgo, onde se dedica ao “ofício de corretor”, mas com muito pouco êxito.
É nessa cidade que, segundo Ribeiro Sanches, o cristão-novo conhece Pedro I, em 1712 ou 1713. Segundo outra versão, teria sido um agente russo em Hamburgo que teria levado João da Costa para a Rússia.
Porém, cabe aqui fazer um parêntesis, pois há divergências entre essas duas versões, por um lado, e uma das anedotas que sobre ele se contam, por outro. Segundo uma delas, João da Costa teria ido de Portugal para a Rússia por mar: “Quando Costa embarcava para chegar à Rússia por mar, um dos conhecidos que se despedia dele, perguntou-lhe:
– Não tens medo de embarcar no navio quando sabes que o teu pai, avô e bisavô morreram no mar?!
– Como morreram os teus antepassados? – perguntou por sua vez Costa.
– Morreram em seus leitos, – respondeu o interlocutor.
– Então, porque é que tu, meu amigo, não tens medo de deitar-te todas as noites no teu leito? – replicou Costa.”
Chegado a São Petersburgo, João da Costa conquistou as graças do imperador russo com as suas piadas e ditos jocosos. Em 1717, Pedro I fez dele o primeiro bobo da sua corte, concedeu-lhe o título de conde da ilha de Hogland, minúsculo banco de areia no mar Báltico, e coroou-o rei dos Samoedos, pequeno povo fino-úgrico que vive nas regiões árcticas da Rússia. E embora estes títulos pouco tivessem de sério, permitiam a João da Costa comer na corte e receber 600 rublos anualmente, soma bastante considerável para a época.
"São Petersburgo", de Alexey Petrovich Bogolyubov - Óleo sob tela, 1850.
João da Costa morreu aos 75 anos em São Petersburgo, mas as anedotas em que ele é a personagem central ficaram para a posteridade e ajudam-nos não só a entrar em contacto com o ambiente na corte e na alta sociedade da Rússia do séc. XVIII, mas permitem-nos ver a grande habilidade, inteligência e esperteza deste cristão-novo português, a sua fama no país que lhe deu abrigo. Ele tinha resposta para tudo e receita para todos os males, até para fazer parar greves!
O bobo não teve sorte com a esposa:
“A mulher de Costa era muito baixa e, quando perguntaram ao bobo porque é que ele, sendo pessoa ajuizada, casara com uma quase anã, ele respondeu:
– Depois de reconhecer que me devia casar, escolhi o mal menor”.
E, além de ser baixa, essa mulher tinha um feitio obtuso e era bastante má. Porém, Costa viveu com ela mais de vinte e cinco anos. Um amigo seu, quando chegou a data desse adversário, pediu-lhe para festejar as bodas de prata.
“Esperem, irmãos, mais cinco anos, – respondeu Costa. – Então, iremos festejar a guerra dos trinta anos”.
João da Costa estigmatizou a corrupção na corte, nos tribunais, embora não estivesse livre desse mal: “Com um processo em tribunal, Costa ia frequentemente encontrar-se com um juiz que lhe disse:
– Não vejo que este caso acabe bem para ti.
– Senhor, aqui tendes uns bons óculos, – respondeu o bobo, tirando do bolso e entregando ao juiz duas boas moedas.
Outro juiz, que soube disso e queria receber o mesmo, perguntou certa vez a Costa:
– Não me quer fornecer também uns óculos? Como o juiz era bastante bicudo e o processo de Costa não dependia dele, o português disse-lhe:
– Senhor, antes peça que alguém lhe ofereça um bom nariz”.
Reza a lenda – neste caso, uma das anedotas – que o humor não abandonou João da Costa à hora da morte: “Avaro, Costa tinha contraído numerosas dívidas e, na hora da morte, disse ao confessor:
– Peço a Deus que me prolongue a vida pelo menos até que eu pague as dívidas.
O confessor, convencido que o moribundo falava sinceramente, respondeu:
– Um bom desejo. Acredito que Deus ouvirá a tua voz e satisfará a tua prece.
– Se Deus tiver tanta piedade de mim, – murmurou Costa a uns dos amigos que se encontrava perto do leito, – jamais morrerei”.
Os factos citados são de responsabilidade do autor.
de José Milhazes
Via: http://portuguese.ruvr.ru
Rádio: Voz da Rússia - 5 Dezembro
(Texto enviado por João Moreira)
domingo, 22 de dezembro de 2013
Na procura de conhecimentos...
"Na procura de conhecimentos, o primeiro passo é o silêncio, o segundo ouvir, o terceiro relembrar, o quarto praticar e o quinto ensinar aos outros."
Salomão Ibn Gabirol
(Málaga,1021 - Valência, 1058)