segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Processo contra Vicente Furtado





Vicente Furtado nasceu em Lisboa em 1583, ou seja, 86 anos depois da conversão forçada dos Judeus Portugueses. Foi baptizado na Igreja de São Paulo, tendo como padrinho o Arcebispo Dom Miguel de Castro.
Ele já tinha 22 anos quando a Coroa Portuguesa, necessitada de dinheiro, ofereceu aos cristãos-novos o assim chamado “Perdão Geral”, que em verdade era eufemismo para a Coroa vender salvos-condutos aos conversos que quisessem deixar Portugal, em troca de dinheiro grosso. Dessa forma, em 1605, Vicente Furtado sai de Portugal e vai para Hamburgo. De lá viaja para Londres de onde retorna a Hamburgo, localidade essa que o encanta e para onde retornaria muitas vezes. De Hamburgo viaja para Flandres e para a Holanda. Algumas vezes voltou clandestinamente a Portugal para visitar parentes e amigos em Alcântara, Coimbra, região das Beiras, Lamego e Braga, encontrando também cristãos-novos vindos de Madrid, Nápoles e até do Brasil. 






Mapa de Flandres - Ano de 1590




Em 1609, viajando por Portugal, Vicente Furtado é finalmente preso pela Inquisição, acusado de “judaizar”, isto é, praticar secretamente a religião judaica. No dia 14 de Março de 1609, durante a instrução do processo do Santo Oficio da Inquisição, é realizada a secção de genealogia de Vicente Furtado. Essa secção de genealogia, de fundamental importância, era muito comum em processos desse tipo, pois, os dados ali obtidos eram então cruzados com outros processos em andamento, possibilitando novas denúncias contra as pessoas lá mencionadas que por sua vez, sob tortura, forneceriam mais nomes e, assim sucessivamente, iriam alimentar as poderosas engrenagens da Inquisição de Portugal. Os citados na sessão de genealogia, caso não fossem presos, já tinham suficientes motivos para passar o restante de suas vidas em absoluto pavor, assim como seus filhos e netos também.







Processo de Vicente Furtado 

(Arquivo Nacional da Torre do Tombo - Lisboa)




 Ao longo do processo, o tribunal da Inquisição de Lisboa apurou os seguintes fatos sobre Vicente Furtado: Era solteiro, 26 anos, sem profissão, natural e morador de Lisboa; - Era filho de Duarte Furtado e Francisca Palácios; - Em Londres havia permanecido na casa de Gabriel Fernandes (filho de Luís Fernandes, um dos primeiros cristãos-novos a migrar para a Inglaterra durante o reinado de Elisabeth,) onde também viviam seus irmãos menores, Duarte Fernandes e Manoel Rodrigues Veiga (1/2 irmão). A casa de Gabriel Fernandes era usada pelos “Novos Judeus “ saídos de Portugal como uma espécie de sinagoga, para estudar a Torah, manter o shabat, jejuar e rezar; - Em Hamburgo ficou na casa de seu primo irmão Álvaro Dinis, rico comerciante, cristão-novo, que hospedava em sua casa mais 9 funcionários seus, que com ele próprio, somavam 10 pessoas: um minyan (quorum mínimo para iniciar-se uma oração judaica). Seus nomes eram Hieronymo Freire, Fernão Dias, Diogo Carlos, João Álvares, Duarte Palácios, Rui Fernandes Cardoso e seus três filhos André Rodrigues, Fernão Rodrigues e João Gomes; - Em Hamburgo ainda esteve com a família Pires, formada por comerciantes lisboetas recém chegados: Álvaro Pires com seu filho Simão Francês e Jorge Brandão com seu filho Rodrigo Pires; - Em Flandres, se hospedou com os irmãos Aenrique de Lima (casado com Beatriz Antunes e pai de Duarte de Lima) e Diogo Gonçalves de Lima, naturais de Braga, e que observavam os preceitos judaicos, e, quando em Hamburgo, “para guardar a Lei de Moysés”, hospedavam-se na casa da família Milão, originária de Alcântara perto de Lisboa; - Era amigo de Fernão Lopes Milão, 31 anos, e que juntos foram presos em 28 de Outubro de 1606 quando tentavam embarcar para Hamburgo. A genealogia dos Milão também faz parte do processo da Inquisição; - Em Lisboa ficava na casa dos irmãos Diogo Lopes Cardoso e Manuel Mendes Cardoso. A casa era frequentada por outros conversos como Jorge de Mattos, Diogo de Mattos, Thomas Pinhel, e, que lá se reuniam para manter as tradições judaicas; - Após percorrer a região das Beiras, Vicente Furtado chega a Coimbra onde se hospeda na casa de Simão Vaz, natural de Lamego, cujo tio se chamava Miguel Vaz e vivia em Nápoles, Itália. Lá ele é visitado pelo cristão-novo Bento Pinhel, estudante de Direito que guardava tantos preceitos judaicos que o tabelião não conseguiu anotar todos eles por escrito. 






Na gravura em primeiro plano, o Palácio dos Estaus 

 (Palácio da Inquisição)






Vítima da Inquisição com o sambenito vestido




Certa vez andando pelo Rossio, encontrou-se com seu velho amigo o cristão-novo Fernão da Luz e Mello, e, na conversa que se seguiu, teriam manifestado o desejo de "salvar-se na Lei de Moyses";Vicente Furtado revelou também como o estudo do judaísmo se propagava entre os conversos. Contou que recebera em Flandres, do converso Hieronymo Freire, um livro de Salmos e outro de orações em castelhano, e que depois passara os livros para Fernão Alvarez de Mello morador da capital. Contou também que outro lisboeta, Jorge Rodrigues enviara uma Bíblia a um amigo que vivia em Madrid, mas que era natural de Beira. Ao final do processo, Vicente Furtado foi julgado culpado e condenado à pena de “reclusão completa” ao longo da qual seria finalmente catequizado nas “Escolas Geraes” dos jesuítas portugueses. Não se sabe durante quantos anos Vicente Furtado ficou preso, ou se saiu com vida da prisão. Não se sabe tampouco se casou ou se deixou descendentes.





  de Reuven Faingold



Código de referência PT/TT/TSO-IL/028/03333
Título Processo de Vicente Furtado
Datas 1609-02-04/1610-04-27



Estatuto social: cristão-novo 
Idade: 26 anos 
Crime/Acusação: judaísmo 
Cargos, funções, actividades: sem ofício 
Naturalidade: Lisboa 
Morada: Lisboa 
Pai: Duarte Furtado, mercador 
Mãe: Francisca de Palácios 
Estado civil: solteiro 
Data da prisão: 26/02/1609 



Sentença: auto-de-fé de 05/04/1609. Confisco de bens, abjuração em forma, cárcere e hábito penitencial a arbitrio dos inquisidores, instrução na fé católica, penitências espirituais.

Localização física Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, proc. 3333




Fontes:   Direcção Geral dos Arquivos e Shavei em português