segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Canções de embalar




Uma linguagem de afecto




Durme, durme, aguarela



 Um destes dias, ouvindo uma canção de embalar sefardita – “Durme, Durme” -, veio-me à memória que o Carlos a tinha publicado aqui no blogue. Foi o ano passado, precisamente em 5 de Agosto de 2012. A canção é lindíssima e a interpretação de Catarina Moura e do Grupo Musical “Brigada Victor Jara”, proporciona-mos um momento de verdadeiro prazer. 


Durme, kerido hijico,/Durme sin ansia y dolor.
Cerra tus lindos ojicos,/Durme, durme com savor






Ouvir esta canção, fez-me lembrar outras e pensar que todos nós, na nossa infância, fomos embalados ao som de uma certa canção de embalar. Tomei então a liberdade de escrever um pouco sobre o assunto. 

Não sou especialista em nenhuma área da Musicologia, e também não sei nada em particular sobre canções de embalar. Mas sei aquilo que todos sabem… que a canção de embalar, presente em todas as comunidades humanas, transmite afecto e ternura à criança. 





Mãe e Filho, William Adolphe Bouguereau, 1825-1905



A criança ao ser embalada adormece num sono reparador e tranquilo, reconhecendo na voz da mãe, do pai ou da avó, uma presença que a ajuda a enfrentar o mundo exterior, onde tudo é novo e pode meter medo. Na intimidade do momento, a música e a palavra são como um vínculo de amor. Neste ritual de afecto estabelece-se um diálogo, que com o tempo se há-de converter em vivências e culturas de uma memória colectiva. 





Mordechai Gebirtig (2º a contar da esquerda, em cima) com a família (as três filhas estão em baixo, à frente)



   Propomos agora a audição de uma berceuse yiddish – Shlof Schoin main Jankele -, com música e letra de Mordechai Gebirtig (1877-1942), músico e poeta de Cracóvia, e um dos nomes mais importantes ligados à canção popular yiddish.
    
Mordechai Gebirtig dedicou os poemas às suas três filhas, criando para eles melodias que improvisava numa flauta pastoril. Em 1942, Gebirtig foi assassinado pelos nazis quando se recusou a obedecer a uma ordem de deportação. A mulher e as filhas pereceram em campos de concentração.



Schlof sche mir schoyn Jankele mayn scheyner,
Di Eygelach di schwastinke mach tsu.
A Jingele wos hot schoyn ale Tseynddelech,
Muss noch di Mame singen “ay lu lu”.
(…)
Dorme, dorme, Yankele, meu belo filho.
Fecha os teus pequenos olhos pretos.
Meu pequenino, agora que já tens os dentinhos todos,
Queres que a mamã te cante “ay lu lu”.
(…)





Schlof Schoyn main Jenkele” – interpretação de Yaacov Shapiro



    Da Polónia vamos dar um salto à África do Norte, para ouvirmos uma berceuse amazigh de Agadir. Os Imazighen, ou seja, “homens livres”, são um conjunto de povos nómadas a que chamamos berberes; falam línguas berberes, e estão espalhados principalmente na Argélia e em Marrocos, com menos representatividade na Líbia, ou na Tunísia. 





Menina amazigh, da Líbia



Canção de Embalar Amazigh


Encontrei o meu irmão mais velho,/o sono, que me perguntou:
o que levas nos braços?/E eu respondi-lhe: a Lua.

A Lua está muito triste/e eu perguntei-lhe: onde está a alegria?
E ela respondeu:/a alegria está na casa de outros.

(…)
Encontrei o sono/e ele perguntou o que levava nos braços.
Eu respondi-lhe: é só a Lua,/e ele disse-me:/embala-a, embala-a.







Berceuse Tradicional Amazigh - interpretação de Monserrat Figueras





Pausa Forçada, Alves Cardoso, 1913



    Desta feita, escolhemos uma canção de embalar de Trás-os-Montes. Com uma candura maravilhosa, diz assim: 



“Ó, Ó, MENINO, Ó”

Ó, menino, ó/Ó, ó, ó,/Teu pai foi ao eiró,
Cuma vara de aguilhão,/Pra matar o perdigão.
Ó, ó, ó, ó,/ó, menino, ó/Teu pai foi ao eiró,
Tua mãe é borboleta/Logo te vem dar a teta.





Ó menino ó (Trás-os-Montes) – Brigada Victor Jara




           A última canção dispensa apresentações. É a “Canção de Embalar” de José Afonso. 





Dorme meu menino a estrela d’alva/
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada

Outra que eu souber será pra ti
Ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô.ô}bis
(…)






Zeca Afonso – “Canção de Embalar”




(Enviado pela amiga Sónia Craveiro à qual desde já agradeço o envio deste magnifico artigo).




Fontes:


FIGUERAS, Monserrat, Ninna Nanna, ALIAVOX
GRAÇA, Fernando Lopes, A Canção Popular Portuguesa, Edições Europa-América