domingo, 11 de agosto de 2013

Comunidade Judaica de Barcelos




A judiaria barcelense ficava na Rua Nova, que depois chamou-se Rua dos Lanterneiros e finalmente Rua do Infante D. Henrique.

“A judiaria era fechada por dois portões de ferro ao toque do sino da oração, na Igreja matriz de Santa Maria Maior. A sinagoga estava situada no local onde hoje se ergue a Estação Telégrafo-Postal. Num dos arrabaldes da povoação estava o cemitério judaico, cujo local se não pode já identificar” ( AMÍLCAR PAULO).






Quando da Conversão a comunidade era pequena. Dois de seus membros eram vistos como Rabinos: Mestre Thomáz da Victória e Isaac Cohen, ambos casados e com grande descendência. Os outros eram Francisco Netto e a esposa Velida Ruiva, Micol e Junca Montezinho, Velida e Isaac Rua, Rica e Mosén Montezinho, os castelhanos Benvinda e Junca Bencatel; Salomão Pés e sua esposa Mazaltov (filha do Rabino Cohen) e o casal Orovida e Santo Fidalgo – personagens deste ensaio genealógico. A estes judeus se integravam um grupo de cristãos-novos, como a família dos “Piolhos do Rabo”, vinda de Guimarães; dos “Salta em pé”, os “Cains” e as irmãs tripeiras de Vitória Braga.
As fronteiras étnicas já vinham sendo erodidas pelo casamento e pela conversão. A impressão é que os descendentes destes troncos judaicos tinham se integrado ao projecto da nacionalidade e religião única. Mesmo percebendo a hostilidade local, basta destacar alguns apelidos dados ao membro da comunidade para sentir este desprezo. Junte-se aos apelidos já citados, mais o “Capado” (Henrique Gonçalves, filho de Salomão Pés e neto do Rabino Cohen), os “Pintadiabos” (família de João Pires Nunes), dentre outros. Porém sessenta anos depois desta Conversão, observado o prazo da tolerância para a inserção, a Inquisição prendeu 23 cristãos-novos oriundos deste grupo. Pelos depoimentos é possível constatar que ainda restavam traços do Judaísmo nestas pessoas (GUERRA, Luis Bivar). Quase todos ainda “guordava ho sábado milhor q. pudia”, “assendia as suas candeias” e vestiam “camisas lavadas”. Lembravam-se do Yom Kippur (Dia do Perdão), “não comendo senão hua vez a noute”. Jejuavam várias vezes, o jejum da Rainha Esther e “o da destruição do tempollo de Jerusalém” (o 9 de Av). Observavam o Pessach (Páscoa). Guiomar Fernandes casherizava (fazia a comida de acordo com as leis alimentares judaicas), “desnervava a carne”. Todos acreditavam que “não era vyndo o mexias”. Maria Zores acrescentava que “avia de vir ate ho anno de sessenta”.





Barcelos - Fotografia retirada da livedreamdays.



O balanço da primeira investida da Inquisição é trágico. Mestre Thomas da Vitória teve uma filha, Leonor Nunes, que antes do baptismo chamou-se Mazeltov, queimada viva em Coimbra em 30 de Agosto de 1570. Ela já era uma velhinha. Francisco Netto teve o neto Thomas Nunes, médico em Vila do Conde, queimado em Lisboa, em 1596. O tintureiro Salomão Pés, uma bisneta queimada em 1626. Santo Fidalgo um trineto. Tragédia que se repetiria em outras gerações.
Da comunidade barcelense nos interessa Santo Fidalgo e a sua família. Só duas fontes documentam a sua presença, o registro no “tição” reservado aos cristãos-novos de Barcelos e os papéis da Chancelaria de D. Manuel (1469-1521). Tínhamos até aquela altura o seu nome de judeu, Santo Fidalgo e mais o seu nome de cristão-novo, mas nos faltava o seu nome religioso usado na chamado a leitura da Torah. Sabendo que muitas vezes o nome civil (kinnui) é correspondente do nome religioso, logo encontramos o par onomástico: Santo é a forma civil de Shemtov. A partir do nome de seu primogénito, Abraham, que é sempre do avô paterno entre os sefarditas, deduzimos o seu patronímico, Ele se chamava Shemtov b. Abraham na sinagoga, Santo Fidalgo no cotidiano e mais tarde com a conversão, Diogo Pires. A sua esposa chamou-se Orovida (o escrivão anotou Oro Inda) e tiveram quatro filhos, dois homens e duas mulheres, Abraham, que depois de baptizado chamou-se Gonçalo Dias, Esther (no manuscrito Icer), baptizada como Gracia Dias; Álvaro Dias e Reina.





de Jorge Neves