sexta-feira, 8 de março de 2013

Noticia sobre o conjunto cerâmico do século XIII no contexto do bairro judeu de Coimbra





Em Fevereiro de 2011 fiz alusão neste blogue a uma intervenção arqueológica levada a cabo na antiga judiaria de Coimbra, dando particular relevo ao relatório que consequentemente seria divulgado ao público.
Passados dois anos, tive acesso às conclusões dos achados encontrados no antigo bairro judeu de Coimbra.



A realização do acompanhamento arqueológico da obra de repavimentação e remodelação de infraestruturas da Rua Corpo de Deus/Largo da Capela da Sª da Vitória (Coimbra), da responsabilidade cientifica de Sara Almeida e Susana Temudo (GCH), proporcionou a identificação de testemunhos arqueológicos, no patamar sobranceiro ao Largo da Capela, que implicaram a execução de uma escavação arqueológica de emergência, sobre cujos os resultados incide a presente divulgação.
A área em questão coincide precisamente com a localização da antiga judiaria da cidade de Coimbra, implantada, em época medieval, no exterior da linha de muralha, na encosta noroeste. A documentação disponível situa, no século XII, aí o referido bairro, sabendo-se que terá permanecido neste local até ao século XIV, aquando da deslocalização para a Judiaria Nova, nos arrabaldes junto à Rua Direita.





Lareira encontrada na unidade habitacional - Rua Corpo de Deus



Os trabalhos promovidos, na sequência do reconhecimento de vestígios arqueológicos, revelaram a existência de uma construção de carácter doméstico, composta por dois compartimentos, parcialmente escavados na rocha de base e preservados sob o arruamento actual. As estruturas encontravam-se conservadas apenas a sudeste (e baixo da cota do substrato rochoso confinante), verificando-se que a edificação do actual muro de contenção da Rua que delimita o Largo da Capela, truncou a sua extremidade noroeste, perdendo-se assim a possibilidade de recuperar a configuração planimetrica integral desta antiga parcela urbana.
No que concerne ao panorama estratigráfico documentado, a natureza construtiva da estrutura (semi-enterrada), restringiu ao interior dos compartimentos os depósitos associados, enquadrando-se estes em três categorias: níveis de ocupação continuada, níveis de aterro, níveis de destruição/de estrutura.
A análise circunstanciada do espólio arqueológico exumado nos contextos acima descritos permitiu a integração das realidades descobertas numa linha temporal estremada entre os derradeiros momentos dos século XII (para os primeiros níveis ocupacionais detectados) e o século XIV (para a destruição/anulação da estrutura). Ou seja, o período histórico documentado na intervenção fixa-se, grosso modo, ao longo do século XIII, momento ainda insuficientemente conhecido ao nível dos contextos arqueológicos no núcleo urbano de Coimbra.
Ao interesse da cronologia dos vestígios, no quadro local, acresce a particularidade de estarmos perante um dos raros contextos medievais judaicos em território nacional, revelando no âmbito de uma intervenção de natureza arqueológica.

A determinação deste intervalo temporal, centrado na centúria de duzentos, assentou na análise do repertório cerâmico recuperado e na sua confrontação com um conjunto coerente de numismas integrados em contextos de proveniência significativos. Relativamente ao espólio numismático, o balizamento temporal ditado por terminus post quem é conferido por um dinheiro de D. Sancho II (1223-1248) associado ao segundo momento de ocupação da estrutura habitacional e um dinheiro de D. Afonso III (1248-1279) associado ao último momento ocupacional pré-abandono do edifício.




D. Sancho II



D.Afonso III



No que respeita ao material cerâmico de cronologia medieval, é possível, não obstante o seu modesto volume e elevado grau de fragmentação, tecer algumas considerações.
A reduzida expressividade numérica associada aos níveis mais antigos não permitiu vislumbrar uma evolução morfo-tipológica ao longo dos diferentes depósitos sedimentares. Aparentemente, não se regista, no decurso do intervalo temporal analisado uma evolução significativa no estilo perfil das peças identificadas.

Em segundo lugar o traço mais representativo do conjunto é a preponderância das produções de cerâmica local/regional (de chamado "barro vermelho") face aos raros exemplos de artefactos de importação, dentre os quais se realça a recuperação de um ataifor revestido a vidrado verde e de origem almóada ou tardo- almóada.
Em termos gerais, o conjunto reflecte um ambiente de proveniência de carácter modesto (pela raridade de itens considerados de luxo ou prestigio) consentâneo com uma unidade habitacional, aparentemente de natureza indistinta das demais contemporâneas.
Outra característica que importa realçar é a de um certo "conservadorismo" estético, ou melhor, da prevalência de uma tradição precedente, que se manifesta na subsistência da maior parte dos perfis e na aplicação de pintura a branco, nomeadamente a um leque considerável de recipientes fechados, de transporte e serviço de líquidos. Paralelamente à manutenção desta raiz de influência islâmica, assiste-se ao reforço da matriz setentrional, patente, a título de exemplo, na presença expressiva de decoração plástica sob a forma de cordões digitados aplicados aos mais variados tipos formais e funcionais.





Conjunto ilustrativo do lote cerâmico referido



Este fenómeno de multiculturalismo é tanto mais interessante quando consideramos a sua manifestação sob um fundo cultural judaico. Efectivamente, é este fundo sócio-cultural semita que temos maior dificuldade em identificar na produção artefactual reunida. Este dado interessante pode ser entendido num quadro em que a comunidade judia não disporia de uma baixela cerâmica exclusiva, partilhando com os restantes grupos étnicos/religiosos (cristãos, moçárabes e muçulmanos) os modelos de recipientes convencionados na tradição local.



Via: Gestão Participada do Gabinete para o Centro Histórico - Câmara Municipal de Coimbra (9 de Janeiro de 2012).



Percurso pedonal no antigo bairro judeu.